segunda-feira, 23 de setembro de 2019

E Se… A Amazônia fosse completamente destruída?

É um dia comum. Você acorda, passa vaselina dentro do nariz e verifica como está a poeira na cozinha. Alguns dias, aparece só uma fina camada; em outros, formam-se pequenas dunas. É preciso sair para comprar óleo – o único jeito de amenizar a poeira é deixando panos cobertos com óleo na janela. Você amarra um lenço na cara e sai. No caminho, fica em dúvida se haverá óleo, dada a crise da soja. E, enfim, enxerga ao horizonte a nuvem negra se aproximando e engolfando tudo. Não há escapatória. Quando ela chega, tudo fica quase preto, e não dá para enxergar um metro. A poeira entra pelas roupas, e agora só resta encostar numa parede e esperar passar, torcendo para não pegar pneumonia.

A descrição acima não é uma ficção especulativa, como as que costumam iniciar esta seção da SUPER. Trata-se de um relato histórico, tirado de uma carta que a fazendeira Caroline A. Henderson escreveu a uma amiga durante o Dust Bowl, um período entre 1934 e 1940 no qual os EUA foram praguejados por tempestades de poeira e paralisia da produção agrícola, gerando fome, mortes por doenças respiratórias e uma paisagem apocalíptica, que atingiu até Nova York, a milhares de quilômetros das plantações.

As árvores da floresta amazônica estão o tempo inteiro retirando água do solo e soltando no ar, pelo processo de transpiração vegetal. Essa transpiração gera nuvens, que são levadas pelo vento a vários lugares do mundo. Um desses lugares é o centro-oeste brasileiro. Sem a Amazônia, começaria um processo de desertificação ali.

Quando uma região agrícola ampla e plana como o Centro-Oeste, na qual o solo é revirado por máquinas, e plantas morrem secas sobre ele, deixa de receber umidade por tempo demais, podem surgir tempestades de poeira. Foi o que aconteceu no meio-oeste americano nos anos 1930, no qual plantações massivas morreram após secas incomuns e foram varridas pelo vento. A Amazônia, aliás, não é importante só para o clima do Brasil, mas dos próprios EUA. Eles teriam também seu segundo Dust Bowl.

O centro-oeste se tornaria uma região semiárida, que talvez até pudesse ser cultivada novamente com técnicas de irrigação. Produzir ali, porém, sairia bem mais caro do que sai hoje.

Eventualmente, a poeira iria baixar e formar uma região semiárida, que talvez até pudesse ser cultivada novamente com técnicas de irrigação. Produzir ali, porém, sairia bem mais caro do que sai hoje.

O eventual sumiço da Amazônia, de qualquer forma, não é o que muitos pensam: não haveria falta de oxigênio, por exemplo. A Amazônia é responsável por 6% da fotossíntese do planeta, de fato. Mas não é o “pulmão do mundo”. Se uma árvore libera oxigênio quando faz fotossíntese, durante o dia, absorve de novo e solta gás carbônico ao respirar, que é tudo o que faz à noite. A soma é neutra. Ou quase, porque parte do carbono fica na árvore, solidificado na forma de tronco, galhos e folhas.

E esse ponto nos leva à parte realmente apocalíptica. Sem a Amazônia, estamos falando em 200 bilhões de toneladas de dióxido de carbono que ficariam soltas na atmosfera. Isso é o equivalente às emissões do planeta inteiro em seis anos. Como o aquecimento destrói florestas por si só, ao causar e amplificar incêndios florestais, temos um efeito em cascata. Ou seja: delete a Amazônia e você provavelmente vai exterminar também florestas tropicais da África, da Indonésia, da Índia. E cada uma delas liberará bons bilhões de toneladas de carbono. Aí tome mais efeito estufa.

As piores previsões para o fim do século falam em um aquecimento médio de 5o C. Isso significa um aumento de entre 10 e 60 metros do mar. Botando embaixo d’água cidades como Nova York e Rio de Janeiro. E não fica nisso. O novo litoral do Brasil seria potencialmente letal. Isso porque o ciclo de chuvas nas nossas regiões costeiras não depende das florestas, mas do Oceano Atlântico. Continuaria a chover normalmente nas regiões próximas ao mar – talvez até mais. Só tem um problema: isso poderia matar pessoas. 

Hipertermia úmida

Sim. É que existe uma coisa chamada “temperatura de bulbo úmido”. Você enrola um termômetro num pano molhado e mede a temperatura. A evaporação da água do pano faz com que essa temperatura do termômetro enrolado nele seja menor que a do ambiente. Se a umidade relativa do ar for de 100%, porém, a temperatura de bulbo úmido será exatamente igual à do ambiente, porque não haverá evaporação alguma.

Evaporação é o princípio pelo qual a gente não morre de calor mesmo se a temperatura exterior for maior que nossos 36,5o C internos. O suor evapora e resfria o corpo. Se, porém, a temperatura de bulbo úmido passa dos 35o C, isso para de funcionar, e morremos de hipertermia em algumas horas. Com uma temperatura de 46 graus e umidade do ar em 50%, já se atinge esse ponto letal.

Calores tão extremos, próximos dos 50o C, só acontecem normalmente em regiões desérticas, onde o ar é seco – e, por desconfortável que seja, é possível sobreviver. Nenhum lugar do habitado mundo já chegou aos 35o C de bulbo úmido. A previsão, inclusive, é que regiões como o litoral da Arábia Saudita e partes do Irã se tornem letais à vida humana ao longo deste século.

Para que uma combinação mortal de temperatura e umidade assole o litoral brasileiro, nem é preciso derrubar a Amazônia inteira. Os cientistas climáticos Carlos Nobre e Thomas E. Lovejoy estimam que, para a floresta começar a morrer, basta que devastemos entre 20% e 25% da área dela. Atualmente, estamos em 17%. O efeito cascata do ressecamento, citado lá atrás, funciona dentro da própria floresta. Quanto menos árvores, mais secas. Quanto mais secas, mais incêndios naturais – e mais intensos os incêndios não naturais.

Pior: mesmo se deixarmos a floresta completamente em paz a partir deste momento, o aquecimento global  sozinho pode fazer com que esse processo auto-destrutivo comece no final deste século. Ou seja, não basta parar de desmatar. Precisamos nos reflorestar. Já.


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