quinta-feira, 26 de setembro de 2019

Desigualdade e pobreza são associadas a mais mortes por câncer no Brasil

No Brasil, a região onde você mora impacta consideravelmente nas chances de sucesso do tratamento contra o câncer. E isso tem a ver com pobreza e desigualdade, de acordo com um levantamento do Observatório de Oncologia do movimento Todos Juntos Contra o Câncer.

A pesquisa começou estimando qual o risco de um brasileiro morrer após ser diagnosticado com um tumor em cada estado do país. A partir daí, cruzou essa informação com indicadores como taxa de envelhecimento, Índice de Desenvolvimento Humano (IDH), Índice de Gini (um indicador que mede a concentração de renda), quantidade de pessoas em condição de pobreza e número de leitos hospitalares.

Os autores da investigação também checaram quantos brasileiros tinham seguro particular em 2016 e os gastos na área da saúde dos municípios em 2017. Tudo para entender quais fatores sociais estão mais ligados a óbitos decorrentes do câncer.

“Nós vimos que, nos lugares com menor gasto per capita com saúde e maior desigualdade, o paciente morre mais”, relata o oncologista Felipe Ades, do Hospital Alemão Oswaldo Cruz (SP), que participou do trabalho. “Via de regra, os estados do Norte e do Nordeste tiveram os piores resultados”, completa.

Veja alguns dos achados:

  • Nos estados com IDH mais alto, menos pacientes morrem por câncer. O Distrito Federal, por exemplo, tem o maior IDH do país (0,824) e um dos menores índices de letalidade (28,5% dos indivíduos diagnosticados morrem).
  • A desigualdade econômica está relacionada à alta mortalidade. Santa Catarina possui o menor Índice de Gini do Brasil (0,49) e também uma baixa estimativa de óbitos pós-diagnóstico (28,3%). No outro extremo está o Acre, terceiro estado mais desigual (0,63) e dono da maior taxa de letalidade do país (54,3%).
  • A miséria está associada a mais mortes. Maranhão é o estado com a maior porcentagem de população vivendo em condição de pobreza (39,53%) e detém a quarta maior estimativa de letalidade (48,5%). No lado oposto está Santa Catarina, em que só 3,65% dos habitantes vivem na pobreza e apenas 28,3% dos pacientes com câncer perdem a vida.
  • Onde o plano de saúde é raridade, o câncer se torna mais perigoso. Só 5,1% dos moradores do Acre contam com convênio particular — o índice mais baixo do país. E, como dissemos, esse é o estado com maior probabilidade de morte após o diagnóstico (54,3%).

“A gente vê uma grande diferença entre os estados. Temos regiões onde mais da metade das pessoas morre, enquanto, em outras, menos de um quarto vêm a óbito”, compara Ades.

Como funciona o tratamento de câncer na rede pública

Após uma suspeita inicial, a pessoa precisa fazer exames para confirmar a presença da doença. “Só que há uma demora para marcar a consulta e os testes”, descreve Ades.

Com o diagnóstico, a terapia deve ser iniciada no Sistema Único de Saúde (SUS) em até 60 dias, segundo uma lei federal. O paciente será atendido em uma Unidade de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Unacon) ou em um Centro de Assistência de Alta Complexidade em Oncologia (Cacon). Basicamente, são hospitais e clínicas habilitados para cuidar de pessoas com tumores.

No entanto, esse prazo nem sempre é atendido — e, conforme os dias passam, o risco de o câncer crescer e se espalhar sobe. De acordo com uma reportagem da Agência Brasil, o próprio Ministério da Saúde informou, durante uma audiência pública em 2018, que o tempo médio de espera fica na casa dos 81 dias.

Outro ponto é que, apesar de haver no mínimo um hospital habilitado em oncologia em todas as unidades federativas brasileiras, o investimento em cada um é desigual. Uma auditoria da Controladoria-Geral da União apresentada na mesma audiência, por exemplo, relatou que alguns centros possuem bem menos recursos para comprar equipamentos do que outros.

“Dependendo do local, esse é um problema grave. Cada estado tem uma realidade diferente”, aponta Ades.

As limitações da pesquisa

É importante lembrar que o estudo do Observatório de Oncologia encontrou apenas uma associação entre os fatores analisados, e não uma relação de causa e efeito. Ou seja: não dá para confirmar se a desigualdade socioeconômica é responsável pelos óbitos por câncer no Brasil. Em teoria, outros fatores não examinados poderiam influenciar nesses números.

“Mas é bastante possível que as relações que avaliamos sejam causais”, acrescenta Ades. De acordo com o médico, o levantamento serve de base para novas pesquisas analisarem como funcionam em detalhes os lugares que oferecem melhores desfechos aos pacientes. Esses casos podem servir de exemplo para melhorar o atendimento contra o câncer no país inteiro.


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