terça-feira, 30 de junho de 2020

Especialmente durante a pandemia, precisamos falar sobre as doenças raras

Neste momento singular que vivemos, acordamos e dormimos ouvindo notícias sobre o desenrolar da pandemia de coronavírus. Mas há um grupo especial da população que está fadado a conviver com uma espécie de isolamento desde sempre, muito antes da chegada da Covid-19. São as pessoas com doenças raras, que, mesmo pouco conhecidas, causam um grande impacto na sociedade e na saúde pública.

Se separadamente as mais de 8 mil doenças consideradas raras reúnem poucos indivíduos, juntas elas impactam milhões de brasileiros e seus familiares. Somente no nosso país, mais de 13 milhões de pessoas vivem essa realidade. Por isso é tão importante compreender como essa parcela do povo está atravessando a crise atual.

Se a pandemia tem alterado a rotina de todos quanto ao isolamento social e limitado o acesso a produtos e serviços comuns, para as pessoas com doenças raras esse cerceamento tem um sabor ainda mais amargo. Diversos centros de atendimento suspenderam suas atividades, medicamentos estão em falta, acompanhamentos terapêuticos foram interrompidos e muitos pacientes tiveram que abrir mão do auxílio de cuidadores, que também precisaram ficar reclusos. Nas pessoas livres de doenças, a quarentena compromete a rotina. Já nas que possuem um problema raro de saúde, ela afasta a possibilidade de lutar pela vida.

Junho é tido como o mês de conscientização da Amiloidose Hereditária (PAF-TTR), uma doença rara. Mas, mesmo antes de ser diagnosticado com ela, junho tem um significado diferente para mim. Esse é um mês que marca a doença que vitimou meu pai, meu avô e mais de 30 membros da minha família — e com a qual eu convivo desde criança. Esse período abre a oportunidade de disseminar conhecimento sobre a PAF-TTR. Podemos falar sobre sintomas, características, diagnóstico e tratamento, o que é muito importante, mesmo no meio de uma pandemia.

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Mas a enfermidade em si compõe apenas uma parte da vida do paciente. Ser visto como um todo é um grande desafio para qualquer um com uma doença degenerativa. Quando chegamos ao diagnóstico — o que normalmente demora bastante —, uma das piores sensações é a de parecer ter recebido uma sentença de morte e de passar a ser considerado socialmente por esse ponto de vista.

A morte social é imediata. Deixamos de ser pessoas com direito a sonhos, anseios, prazeres, carreira profissional, vida educacional e projetos para o futuro para nos tornarmos somente uma vítima da genética, na maioria das vezes.

E ainda que a ciência chegue a tratamentos que minimizem sintomas e desacelerem a progressão da doença, há questões simples, que são pouco consideradas, mas que fazem toda a diferença para a qualidade de vida.

A qualidade de vida está diretamente relacionada a luxo, riqueza e conforto para pessoas comuns. Para um paciente com PAF-TTR, luxo é poder contar com uma junta médica, de diversas especialidades, que conheçam a doença e possam fazer um acompanhamento de forma holística. Riqueza é ter acesso a tratamentos sem amargar a humilhação de processos burocráticos infindáveis para buscar na Justiça o direito a viver. Conforto é poder contar com a segurança de atendimentos de forma prática e autossuficiente. É adquirir independência e liberdade de escolha apesar das limitações impostas pela condição com a qual fomos diagnosticados.

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Além de ter PAF-TTR, eu atualmente presido a Associação Brasileira de Paramiloidose (ABPAR). O que percebo nos atendimentos que fazemos por lá? As pessoas precisam ser ouvidas. Em geral, são indivíduos que estão perdendo seus movimentos físicos, suas possibilidades de trabalho, sua independência para coisas mínimas, suas esperanças. Eles têm que se reinventar para continuar vivendo. Por isso precisamos falar sobre a PAF-TTR mesmo nesse momento tão desafiador.

Se com a pandemia o mundo desmoronou para chefes de família, jovens no auge de suas carreiras, mães ou pais, o mesmo aconteceu a esses mesmos personagens que se descobriam com PAF-TTR e que, em pouco tempo, podem ter que ser cuidados por familiares ou por estranhos. Cada caso precisa ser tratado como único, em sua complexidade e totalidade.

É imprescindível que familiares, amigos, sociedade, poder público e os profissionais de saúde de forma geral ofereçam a essas pessoas uma sentença de vida. Ainda que a rotina e os caminhos mudem após o diagnóstico de uma doença rara, é com vida que estamos lidando. E a vida é um todo.

* Fabio de Almeida, 44 anos, empresário, presidente da Associação Brasileira de Paramiloidose (ABPAR)


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