sexta-feira, 12 de junho de 2020

China retira escamas de pangolim de sua lista de itens de medicina tradicional

Em meio a uma pressão crescente pela proibição da criação e comércio de animais selvagens desde o início da pandemia, o governo chinês retirou as escamas de pangolim da lista oficial de ingredientes aprovados para uso na na medicina tradicional chinesa. O mamífero, que tem formato de tamanduá e é coberto por escamas, é o animal mais traficado do mundo atualmente, segundo a União Internacional para a Conservação da Natureza (IUCN), em grande parte graças à crença pseudocientífica de que suas escamas teriam propriedades curativas.

O pangolim ganhou as manchetes nos últimos meses após cientistas identificarem nesses animais uma linhagem de coronavírus semelhantes ao Sars-CoV-2, o causador da pandemia de Covid-19. O sequenciamento genético, porém, determinou que o corona do pangolim é só 92% igual ao nosso – sinal de que ele provavelmente não foi o responsável por passar a doença a nós. Seja o pangolim o hospedeiro ou não, é bom esclarecer que ele ou qualquer outro animal seriam apenas intermediários: acredita-se que o vírus surgiu no corpo de um morcego, mas fez escala em pelo menos um animal antes de alcançar o Homo sapiens.

Independentemente de qual tenha sido o papel do pangolim, a pressão internacional pelo fim do tráfico do bicho só aumentou nos últimos meses – afinal, não importa o papel que ele teve nesta pandemia: além de estar em risco de extinção, ele ainda abriga outros vírus que talvez infectem seres humanos no futuro. Além da insatisfação de ativistas e organizações sem fins lucrativos de todo o mundo, países como Estados Unidos e Austrália estão fazendo cobranças diplomáticas.

Estima-se que um pangolim é retirado da vida selvagem a cada cinco minutos, e que mais de um milhão deles foram caçados só na última década. O animal é extremamente cobiçado por caçadores e coletores ilegais por dois motivos: sua carne é considerada uma iguaria em alguns locais, e partes do seu corpo, em especial suas escamas, são consideradas itens com propriedade curativas pela medicina tradicional chinesa – apesar de não haver nenhuma evidência científica de sua eficácia. Na realidade, as escamas do bicho são feitas de queratina – a mesma proteína que forma as unhas em humanos.

Continua após a publicidade

Existem oito espécies de pangolim, quatro na Ásia e quatro na África. Destas, três estão classificadas como “criticamente ameaçadas de extinção” pela IUCN, enquanto outras três estão “ameaçadas” e duas estão “vulneráveis”. A população de todas as oito caiu nas últimas décadas – e o comércio ilegal é a causa principal. Na China, por exemplo, a diminuição da espécie Manis pentadactyla foi de mais de 90% desde a década de 1960, segundo estimativas. As outras espécies asiáticas também tiveram uma redução drástica, e mesmo os exemplares africanos, que eram menos caçados, começaram a enfrentar ameaças severas.

Segundo a mídia estatal chinesa, o pangolim foi retirado da Farmacopeia Chinesa (a lista de tratamentos tradicionais aprovados) devido a preocupações com a preservação da espécie. A medida vem poucos dias depois de o governo chinês elevar os pangolins para a classificação de “primeiro nível de proteção de animal selvagem”, status compartilhado por animais como pandas e tigres.

Antes da pandemia, o governo chinês agia lentamente na proteção desses animais: em 2008, proibiu a caça ilegal do pangolim em seu território, e, em 2018, parou de importar itens (como remédios) fabricados com matéria-prima extraída do bicho. Em ambas ocasiões, porém, o governo fez vista grossa a quem desrespeitava as normas. Só na China, a criação e comércio de animais exóticos empregava 14 milhões de pessoas e gerava até US$ 73,3 bilhões até o ano passado. Tudo legalizado.

Após a pandemia, o governo chinês proibiu totalmente o comércio de animais selvagens no território (pelo menos por enquanto). Ainda não se sabe se a proibição será permanente e se de fato será colocada em prática com seriedade pelo governo – ainda mais depois de novas evidências apontarem que o wet market de Wuhan, onde eram vendidas diversas espécies selvagens, provavelmente não foi o local de surgimento do novo coronavírus. Porém, é improvável que a pressão internacional pelo fim da prática, tanto de organizações independentes como de governos, cesse em um futuro próximo.


China retira escamas de pangolim de sua lista de itens de medicina tradicional Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed

Nenhum comentário:

Postar um comentário