Desde meados de março, boa parte dos escritórios brasileiros passaram a adotar o sistema de trabalho remoto para os seus funcionários. Essa mudança foi uma resposta rápida ao problema da Covid-19, já que, sem vacina ou medicamento, resta apenas o distanciamento social como forma de evitar a propagação do vírus.
A transformação no modo de trabalho parece ter agradado diversos executivos – afinal, os custos diminuem. Agora, considera-se manter esse sistema mesmo após a pandemia, ainda que parcialmente.
As coisas, no entanto, aconteceram muito rápido, e tudo foi instaurado de forma improvisada. Será que os brasileiros estão prontos para lidar com o home office se tornando a regra, e não a exceção?
O número de profissionais trabalhando em casa no Brasil cresceu nos últimos tempos. Entre 2012 e 2018 (ano do último levantamento feito pelo IBGE) houve um crescimento de 44,4% da adesão ao home office. Na época, 5,2% dos trabalhadores brasileiros atuavam sob esse regime.
Nos EUA, a quantidade de trabalhadores que fazem home office é igual. Já na Holanda, o número é expressivo: 14,1% dos trabalhadores são adeptos ao home office. Por lá, existe a Lei do Trabalho Flexível – e pode-se aprender muito com ela.
A lei, que entrou em vigor em janeiro de 2016, permite que o funcionário solicite ao seu empregador o direito de trabalhar fora do escritório. Há apenas dois pré-requisitos para o pedido: a empresa deve ser formada por dez funcionários ou mais e o empregado precisa ter prestado serviço no escritório por pelo menos seis meses. O patrão pode recusar o pedido, mas é necessário justificar o motivo por escrito.
Mas não pense que, depois disso, basto ir para casa e trabalhar em seu notebook em cima da mesa da cozinha. O empregador é responsável pela saúde do funcionário e, consequentemente, pelo seu ambiente de trabalho. Ele deve garantir a ela uma cadeira ergométrica, mesa de escritório, equipamentos e até mesmo uma luminária caso a luz do ambiente não esteja propícia.
Além disso, o patrão deve visitar o ambiente escolhido pelo funcionário junto a um especialista em saúde e segurança do trabalho para atestar se o local cumpre as obrigações previstas em lei. Se o empregado desenvolver algum problema de saúde dentro de casa, como lesão por esforço repetitivo, a empresa é responsabilizada pelos danos.
Na Holanda, há ainda muitos espaços de coworking – locais em que várias pessoas (não necessariamente de uma mesma empresa) trabalham juntas. Além deles, tanto bibliotecas como algumas cafeterias são adaptadas para aqueles que querem fugir do escritório. A única regra quanto a isso é que o empregador pode definir algumas restrições de segurança para quem não está em casa, como a proibição do uso de Wi-Fi aberto e o compartilhamento de dados confidenciais em público.
Yvo Van Doorn, engenheiro que trabalha em Amsterdã, capital do país, explica à BBC que o povo holandês teve certa vantagem ao entrar em confinamento. “Temos a sorte de ser um país em que 98% das residências têm acesso à Internet de alta velocidade, e a Holanda possui a combinação certa de tecnologia, cultura e abordagem para tornar o trabalho remoto bem-sucedido”, diz. “Sou julgado pelos meus resultados, não pelo fato de estar sentado em uma mesa nove horas por dia.”
A fala de Yvo Doorn se refere ao medo comum dos empregadores de que seus funcionários não sejam produtivos dentro de casa. Mas essa ideia é contestada: trabalhando de forma remota, a pessoa evita o trânsito, tem mais tempo para a família e consegue se dedicar à outras práticas de lazer, o que evita o estresse – e pode melhorar seu desempenho.
A confiança estabelecida entre patrão e funcionário evita alguns problemas, como o “presenteísmo”. Esse é um fenômeno que ocorre quando o corpo está ali, trabalhando, mas a mente não. Alguns funcionários tem medo de causar má impressão e se sentem culpados ao não “aparecer” para trabalhar devido a problemas físicos ou mentais, o que pode prejudicar sua função. Nos Países Baixos, esse tipo de acontecimento é evitado. Na empresa holandesa ING Bank, por exemplo, há uma política de férias ilimitadas, em que o trabalhador escolhe quando tirar o período de descanso desde que não interfira de forma significativa em suas tarefas.
Nessa política, claro, há benefícios financeiros para as empresas. Com menos funcionários, podem ser locadas sedes menores, diminuindo gastos com aluguel, contas de água, luz, limpeza, entre outros.
Uma pesquisa feita pela Fundação Getúlio Vargas (FGV) indica que 30% das empresas pretendem manter o home office após a pandemia. Nubank, Ajinomoto e diversos bancos já afirmaram que devem rever seus estilos de trabalho. O Banco do Brasil, por exemplo, estuda manter dez mil de seus funcionários da área administrativa em regime misto, trabalhando alguns dias em casa e outros no escritório. Isso poderia gerar uma economia de até R$ 180 milhões por ano em despesas com imóveis entre aluguel e manutenção.
Mas essa questão não é tão simples de resolver. Apesar de todos esses benefícios, o trabalho remoto também tem suas desvantagens. Em uma reportagem da Super, foi mostrado que o home office pode desencadear um sentimento de solidão. Os trabalhadores tendem a se comunicar menos com os companheiros, sumindo até mesmo do mundo digital. Além disso, a falta de entrosamento presencial da equipe pode causar ruídos de comunicação, o que afeta diretamente a produtividade dos funcionários.
Outro ponto negativo são os horários. É preciso ser muito disciplinado para não ultrapassar seu expediente. Quando o escritório e a sala viram o mesmo lugar, fica difícil se desvincilhar da função. O problema é que depois o corpo cobra: uma pesquisa realizada em 15 países mostrou que 42% das pessoas que praticavam home office tiveram quadros de insônia, enquanto o valor para quem trabalhava em escritório ficou em 29%.
No fim, resta esperar para ver o que o futuro do mundo pós-coronavírus nos reserva.
Confiança e qualidade de vida: o que os holandeses podem nos ensinar sobre home office Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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