eni ataca uma bolsa pendurada no encosto da cadeira. A veterinária tenta se aproximar, mas o buldogue inglês avança e arranca o cobertor que ela traz nas mãos. Detalhe: o cão está sedado. Sem o calmante, ele é ainda mais agressivo. Não aceita passear nem conviver com outros cachorros. O brigão vive numa clínica de Porto Alegre desde 2017. Já passou por quatro famílias, mas nenhuma conseguiu lidar com o temperamento nervosinho.
O caso de Beni não é isolado. A agressividade é notada em até 59% dos cães com desvios comportamentais, segundo um estudo da Federação das Universidades pelo Bem-Estar Animal (UFAW, na sigla em inglês), do Reino Unido. As manifestações podem incluir latidos insistentes e destruição de móveis. Também há quadros de depressão e compulsões. Existem cães que chegam a se automutilar. Em alguns deles, o problema é neurológico. Em outros, a causa é humana: os donos não entendem o funcionamento da cabeça dos mascotes.
A convivência com os humanos é um desafio para os cães. Imagine que você se tornou dependente de uma espécie diferente da sua, movida por instintos desconhecidos e guiada por códigos incompreensíveis. Você não fala a língua dessa gente, e o seu corpo não tem nada a ver com o deles. Achar lugar num mundo assim exige um grande esforço de adaptação. E os cães, em geral, mandam muito bem nisso. Ao longo do tempo, eles desenvolveram níveis consideráveis de inteligência emocional.
Um estudo da Universidade de Viena, na Áustria, reuniu mais de cem tutores e seus cães para averiguar semelhanças de personalidade entre eles. A pesquisa constatou que os animais não apenas são sensíveis às emoções dos humanos como podem imitá-las.
Os cachorros usam seus sentidos aguçados para captar sinais, como expressões faciais, tom de voz e odores. As pistas ajudam a traçar um perfil emocional dos donos. E isso irá influenciar o jeitão deles. “Os cães criaram uma leitura social que vai além da própria espécie. Eles empregam essas informações para se posicionar no ambiente humano”, explica a veterinária Ceres Faraco, presidente da Associação Latino-Americana de Zoo-Psiquiatria (AVLZ).
Mesmo assim, alguns cães podem se sentir deslocados. A carência não tem a ver com falta de afeto. Em geral, amamos tanto os cães que tentamos transformá-los em humanos. Um estudo da Associação Americana de Produtos para Pets (APPA, na sigla original) descobriu que metade dos cães dos EUA dorme na cama de seus donos. Atitudes desse tipo parecem fofas, mas tendem a confundir os bichinhos.
Isso porque os ecos primitivos ainda influenciam o comportamento deles. Nas matilhas, por exemplo, todo cão exercia uma função. A rotina era ativa, baseada em caça e exploração. O ritmo era ditado pelo líder. Embora adaptado à vida com os humanos, o cão ainda necessita desses elementos. “Ele precisa saber qual o lugar dele no grupo”, diz Ceres. A mudança de Beni demonstra isso.
O buldogue recebeu o terapeuta canino Roberto Mayer com a carranca de sempre. Tentou mordê-lo, mesmo encarcerado numa gaiola. Mas bastaram alguns minutos para o cenário se alterar. Com tranquilidade, Mayer tirou Beni da jaula, perambulou pela clínica e o levou para correr na rua, orientando seus passos com a coleira. O trote durou 13 minutos.
Quando o exercício terminou, Beni já estava bem mais calmo. Não voltou a atacar o novo amigo nem esboçou reação quando outro cão se aproximou. Ao final, deitou-se de bruços e ofereceu a barriguinha para Mayer fazer festa. “Aquela agressividade era um pedido de ajuda”, relembra o especialista em reabilitação de cães. A transformação pode ser vista no YouTube (bit.ly/2ShNPh1).
O trabalho de Mayer é reconectar cães ao que ele chama de mundo natural. A tarefa é alicerçada em três conceitos: regras, exercícios e afeto. Os limites fazem o cão compreender a sua função e lhe dão segurança.
A atividade física, por sua vez, replica a exploração ancestral e ajuda a drenar energia, deixando-o mais relaxado. Já o afeto funciona como uma recompensa para reforçar a conexão entre o dono e o mascote. A receita, diz Mayer, é a chave para manter a mente da cachorrada na linha. “É o ser humano quem deve entrar no mundo do cão para suprir as necessidades dele, e não o contrário”, aconselha.
CORAÇÃO MOLE
Um estudo da Universidade de Londres verificou que o choro humano desperta a empatia dos cães. O experimento incluiu 12 cachorros. Cada um foi colocado numa sala, junto com o tutor e um estranho.
Os cães mantiveram-se alheios enquanto os dois conversavam. Poucos se interessaram quando os humanos cantaram. Mas 83% reagiram assim que o dono fingiu chorar. Eles se aproximavam com rabo entre as pernas e cabeça baixa, uma postura tristonha. Foi diferente quando o outro humano chorou. Primeiro, os cães o cheiravam. Depois, davam lambidinhas.
CAPTEI!
Cachorros podem entender o que dizemos, especialmente se falamos coisas positivas num tom amigável.
Cientistas da Universidade Eötvös Loránd, na Hungria, analisaram o cérebro de cães enquanto os donos alternavam frases motivacionais e palavras sem nexo. O incentivo dito de forma acolhedora aumentou a produção de dopamina – um neurotransmissor ligado ao prazer.
ITI MALIA
Cães gostam que os donos falem como se estivessem conversando com bebês – é o chamado “maternês”.
Um experimento da Universidade de Nova York mostrou que eles prestam mais atenção em frases ditas num tom agudo e emotivo do que na voz normal. Ainda não se sabe por que isso acontece. No caso dos bebês, o maternês ajudaria a melhorar a aquisição da linguagem e a criar laços afetivos.
LIBERA GERAL
Cães gostam que os donos falem como se estivessem conversando com bebês – é o chamado “maternês”.
Um experimento da Universidade de Nova York mostrou que eles prestam mais atenção em frases ditas num tom agudo e emotivo do que na voz normal. Ainda não se sabe por que isso acontece. No caso dos bebês, o maternês ajudaria a melhorar a aquisição da linguagem e a criar laços afetivos.
DEU TRETA
Cachorros não lambem a própria boca só quando estão com fome. Às vezes, eles passam a língua para comunicar que notaram algo de errado em você.
Numa pesquisa da Universidade de São Paulo (USP), os cães se lamberam mais vezes ao verem imagens de pessoas com raiva. É quase como se eles dissessem: “Saquei a treta, humano”.
DESDE CEDO
Respeitar a primeira fase da vida do filhote pode garantir que ele se torne um adulto equilibrado. A recomendação é não tirá-lo da mãe antes de completar dois meses.
Nessa fase, o cão desenvolve habilidades de convívio junto da ninhada. A Suíça, por exemplo, não permite a adoção de apenas um filhote. São dois, no mínimo. A ideia é facilitar a adaptação dos pequenos.
SONHO MEU
Muitos cães rosnam ou parecem querer correr enquanto dormem. É que eles também sonham.
Durante o sono, o cérebro dos dogs passa pelos mesmos estágios que o nosso. A fantasia começa geralmente após 20 minutos de cochilo. O movimento dos olhos e a respiração alterada indicam que o cão está sonhando.
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