Em uma coletiva de imprensa na segunda-feira (8), a dra. Maria Van Kerkhove, chefe da unidade de doenças emergentes da Organização Mundial da Saúde (OMS), sugeriu que a transmissão do novo coronavírus por pacientes assintomáticos (ou seja, que não apresentam sintomas de Covid-19) poderia ser algo “muito raro”. Mas, assim que a fala começou a repercutir, diversos especialistas repudiaram a afirmação.
A OMS, por meio do seu diretor de emergências, Michael Ryan, tentou esclarecer a fala polêmica. Ele disse que a organização está convencida de que a transmissão por casos assintomáticos está ocorrendo – apesar de ainda não saber em que escala isso acontece.
Na coletiva de imprensa, Van Kerkhove falou sobre vários relatórios de países que fazem um detalhado rastreamento de contato – ou seja, acompanham os indivíduos que tiveram algum tipo de contato com infectados. “Eles seguem casos assintomáticos e seus contatos, e não encontram transmissão secundária”, disse ela. “É muito raro – e muito disso não é publicado na literatura científica”.
Van Kerkhove disse, ainda, que a OMS segue analisando constantemente esses dados, obtendo informações de diversos países para responder à questão dos assintomáticos. “Ainda parece raro que um indivíduo assintomático realmente passe [a Covid-19] adiante”.
Falha de comunicação
Maria não está completamente errada. Pelo Twitter, a epidemiologista relembrou que sua fala está em consonância com uma recente cartilha da OMS, sobre recomendações acerca da Covid-19. Veja o que o documento diz:
“Estudos abrangentes sobre transmissão de indivíduos assintomáticos são difíceis de conduzir, mas as evidências disponíveis sobre rastreamento de contatos relatadas pelos Estados-Membros sugere que infectados assintomáticos são muito menos propensos a transmitir o vírus do que aqueles que desenvolvem sintomas.”
De acordo com Natália Pasternack, a bióloga e presidente do Instituto Questão de Ciência, essa observação era algo esperado pelos cientistas – até por uma questão de bom senso. “É de se imaginar que quem apresenta os sintomas (e não para de tossir, por exemplo), tenha uma probabilidade maior de transmitir a doença”, esclarece.
“Apesar disso, acho que houve um erro infeliz de comunicação, e a doutora se atrapalhou na resposta”, opina Natália. Durante a coletiva, Van Kerkhove citou alguns estudos realizados na China. No primeiro, de 63 pacientes assintomáticos, apenas nove infectaram outra pessoa. No segundo, de 91 assintomáticos, não houve nenhuma transmissão secundária.
Embora os resultados sejam positivos – e indiquem que a sugestão da OMS esteja correta – é preciso muita cautela. Diversos especialistas foram contrários à fala da epidemiologista. “São estudos preliminares, com grupos pequenos e possibilidade de existir viés”, afirma Natália. “Não podem ser usados como evidência científica”.
Em resumo: o erro de Maria Van Kerkhove não está necessariamente no que ela disse, mas no contexto em que ela aconteceu. A OMS é uma organização global, e todo cuidado é pouco na hora de transmitir uma informação – especialmente durante uma pandemia.
“Não foi o caso dessa coletiva, mas um comunicado oficial da OMS pode mudar a maneira como um país planeja suas políticas públicas, ainda mais hoje, em que a ciência tem se tornado cada vez mais politizada e distorcida”, defende Natália.
Aqui no Brasil, a fala já causou efeito no governo de Jair Bolsonaro. Apesar da retratação de Michael Ryan e da OMS, o presidente voltou a defender o fim do isolamento social com a reabertura do comércio e das escolas.
O que se sabe sobre casos assintomáticos?
Em março, logo no começo da quarentena, a SUPER publicou uma matéria compilando estudos que sugeriam que maioria dos casos de Covid-19 pode vir de pacientes assintomáticos.
Meses depois, estudos envolvendo pacientes infectados – mas que não apresentam os sintomas – continuaram. Uma análise publicada no periódico Annals of Internal Medicine juntou dados de diversas pesquisas e apontou que assintomáticos podem corresponder de 40% a 45% das infecções por Sars-Cov 2 – o vírus da Covid-19.
Vale, no entanto, o alerta: apesar de estes infectados apresentarem carga viral, é preciso analisar se o vírus presente ali está ou não ativo. Os estudos científicos devem, sobretudo, fazer o rastreamento de contato – mas isso não é uma tarefa fácil.
Acontece que é muito difícil distinguir pacientes assintomáticos de pacientes pré-sintomáticos (ou seja, que estão com a doença, mas ainda não começaram a apresentar sintomas) e daqueles que são sintomáticos, mas não apresentam graves sintomas – é como se alguém pegasse Sars-Cov-2, mas passasse por isso como se fosse um simples resfriado.
Essas duas classificações são tão importantes de compreender quanto os casos assintomáticos. Uma pesquisa publicada na revista Nature observou 94 infectados e suas transmissões secundárias. 44% das infecções aconteceram no período pré-sintomático, dois a três dias antes de os sintomas começarem a aparecer.
Para Natália, o grande desafio está justamente em distinguir esses três grupos e, com isso, realizar pesquisas mais assertivas. “Ninguém bateu o martelo, mas uma coisa é certa: pessoas que não estão apresentando sintomas podem estar transmitindo o vírus.”
Covid-19: entenda a polêmica envolvendo a OMS e os casos assintomáticos Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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