Durante a pandemia de Covid-19, Fabrício Carpinejar, de 47 anos, levou um susto daqueles: sua tia Cléa, de 83 anos, contraiu o coronavírus e passou uma semana, entre a vida e a morte, no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital Moinhos de Vento, em Porto Alegre.
Quando soube de sua internação, o escritor gaúcho caiu em si de que nunca, em tempo algum, dissera “Eu te amo” para a tia. Logo Cléa, que gostava tanto de presentear os amigos com os livros do sobrinho, de repassar seus textos para os seus grupos de discussão no WhatsApp e de comparecer a todas as suas palestras.
“Tivemos que passar pela pandemia para um sobrinho adulto descobrir tardiamente o seu amor pela sua tia”, escreveu o poeta na crônica Admiração é falar bem dos outros pelas costas. “Nunca é tarde para ser sensível”.
A declaração de amor de Carpinejar pela irmã de sua mãe é uma das 40 crônicas de Colo, Por Favor! (clique para comprar), recém-lançado pela Editora Planeta. Autor de 45 livros, como Me Ajuda a Chorar (2014), Cuide dos Pais Antes que Seja Tarde (2018) e Minha Esposa Tem a Senha do Meu Celular (2019), entre outros, o escritor tomou uma importante resolução durante a pandemia: alternar notícias boas e ruins.
Não podia se alienar, mas também não queria virar refém da tragédia. Confinado em sua casa em Belo Horizonte, onde mora com a mulher, Beatriz Reys, e os dois filhos, Mariana, de 25, e Vicente, de 17, ele decidiu conciliar a leitura de jornais com a de livros – sua média é três por semana! “Muito fácil ser pessimista hoje, quero ver quem tem coragem de ser otimista”, provoca.
Não parou por aí. Resolveu tocar também o que mais ama fazer: escrever. Em 30 dias, colocou o ponto final nas 40 crônicas de Colo, Por Favor! Enquanto a vida não volta ao normal, Carpinejar tem procurado ouvir música, telefonar para os amigos e exercitar suas habilidades de chef de cozinha.
Quando sai de casa, é para fazer compras no supermercado que fica na esquina da rua onde mora. Vai com tanta pressa que, admite, não confere sequer a data de validade dos produtos. Seu arroz de carreteiro, diz, já mereceu nota 7, mas hoje vale uns 9. “Cozinho, lavo, faxino, passo roupa com capricho. Para merecer me pagar. Sou o meu pior patrão e o meu melhor funcionário”, brinca.
Na conversa abaixo, ele reflete sobre alguns temas da sua nova obra e os tempos que enfrentamos.
VEJA SAÚDE: A escritora Martha Medeiros costuma dizer que “o melhor lugar do mundo é dentro de um abraço”. Você diria que o melhor lugar do mundo seria o colo de quem se ama?
Fabrício Carpinejar: Colo é o abraço deitado. Ou seja, duplamente prazeroso. É quando podemos relaxar porque alguém nos cuida. Não há lugar em que possamos nos sentir mais seguros. É o retorno ao abrigo ancestral dos pais. Ao cafuné da infância. Ao repouso das horas. Tanto que nos descobrimos amando quando pousamos a cabeça nos ombros de nossa companhia e adormecemos. Adormecer é confiar. Mas colo no livro também tem o sentido de reaver o bom senso, a civilidade, a educação, o respeito, a cumplicidade, dar um fim para o egoísmo, salvar a empatia.
Você escreveu as 40 crônicas de Colo, Por Favor! em um mês. Em tempos de isolamento social, escrever tornou-se, mais do que nunca, uma questão de sobrevivência mental?
Exatamente! Estava lutando para me salvar, salvando os outros. Não poderia ficar parado. Isolamento não é imobilidade. Busquei o melhor de mim para despertar a esperança em tempos de medo. Quanto maior a sombra, maior a força da chama de uma vela. É no desespero que desvendamos quem realmente é amigo, leal e carinhoso. As dificuldades elegem os escudeiros de nossa história. Temos que pensar duas coisas: não estamos isolados, mas protegidos. E estamos acompanhados de quem mais amamos na vida. São dois trunfos para enfrentar os problemas. Vou sair disso tudo ainda mais unido no casamento, eu e a esposa estaremos mais orgulhosos um do outro.
Como está sendo sua quarentena? Do que mais sente saudades?
Vivo em cima de uma bicicleta imaginária, não paro de pedalar. O equilíbrio vem do movimento. Cozinho, lavo, faxino, passo roupa com capricho. Para merecer me pagar. Sou o meu pior patrão e o meu melhor funcionário.
O que você tem feito para não sucumbir ao tédio, ao medo e à ansiedade?
Quem sente tédio é quem não está sentindo fome. Está muito bem, então. O tédio é um luxo do conforto. Não podemos esquecer que existe quem está sobrevivendo, sem ter o que pôr na mesa, e aquele que está vivendo na segurança de seu lar. São realidades opostas. Temos que dividir o medo, medo dividido já é esperança. Desabafar é expulsar as tristezas. Não guarde nenhuma apreensão para não virar ressentimento. Muito fácil ser pessimista hoje, quero ver quem tem coragem de ser otimista. Heroicos serão os que roubarão o riso alheio, que trarão leveza para o cotidiano opressivo. Talvez seja o momento de “essencializar” a nossa vida, ser feliz com pouco para ser só infeliz diante de muitos infortúnios. Aliás, já desfrutamos dos melhores calmantes em nosso próprio corpo: exercícios físicos curam pânico, respirar devagar restitui a serenidade para os ouvidos.
Houve algo que você tenha começado a fazer durante a quarentena e que pretenda continuar depois? Como será o “novo normal” daqui para frente?
Não existirá uma nova normalidade, mas uma nova loucura. Ninguém era normal antes da quarentena. Pretendo seguir com as minhas palestras, com os espetáculos teatrais… Vou demorar mais no olhar, vou residir mais no abraço com os meus leitores. Escreverei poemas na pele mais do que nos livros.
Há quem diga que sairemos dessa mais humanos, fraternos e solidários. Você compartilha dessa opinião? Se tivesse que apontar o “lado bom” da pandemia (se é que houve algum), qual seria?
O entendimento de que a saúde não é individual, uma posse privada, mas coletiva, que se cuidar é cuidar do próximo. Que procuremos domar as nossas compulsões (ansiedade, ciúme, grosseria, posse, carência). Até porque elas não estragam uma única pessoa e, sim, a família ao redor. O sentimento de fragilidade pode nos devolver a longevidade pelo caminho do equilíbrio. Que limpemos mais as mãos na hora de voltar e lavemos mais as palavras na hora de sair. Espero que todo mundo se goste e se aceite a partir dessa oportunidade que cada um experimentou convivendo mais consigo mesmo.
Já parou para pensar na primeira coisa que planeja fazer quando tudo isso passar?
Quando a quarentena terminar, pretendo ficar todo o dia em casa. Ficar em casa por livre e espontânea vontade. Sem a pressão de não poder sair. Transformar novamente o esconderijo em fábrica de sonhos. Devolver as raízes do bem-estar para a residência. Enfim, me receberei como visita.
Dez aforismos do livro Colo, Por Favor!
Separamos algumas frases de Fabrício Carpinejar para nos inspirar e ajudar nesta temporada tão desafiadora.
- “A esperança é a nossa maior coragem. Acreditar mesmo sem saber o que virá”.
- “Um amor errado nos envelhece, um amor certo nos rejuvenesce”.
- “Mude devagar, aos poucos, com consistência. Toda transformação radical só traz recaídas”.
- “Felizes são os que transformam os irmãos em amigos e os amigos em irmãos”.
- “Há hora para navegar e hora para reparar o barco. Nem tudo é alto-mar”.
- “O amor é um filme de baixo orçamento. Não precisamos de muito para sermos felizes”.
- “Paixão é o encontro de duas pessoas. Amor é o encontro de duas paciências”.
- “O amor é frágil, feito só para os fortes”.
- “Se a alma pudesse ser vista no espelho, teria gente que não sairia mais de casa”.
- “Amor-próprio é cuidar de si mesmo quando não se está doente”.
Amor, carinho e literatura: os antídotos para a quarentena Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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