Não. É difícil imaginar um cenário em que a praia não estivesse relacionada a água de côco e banho de Sol, mas a transformação da praia em ponto turístico é relativamente recente. Por muito tempo ela esteve associada ao tráfego marítimo, comércio, proliferação de doenças e ao desconhecido.
Se ainda hoje o oceano é cheio de mistérios, imagine no período clássico. Muitas mitologias giravam em torno de desastres e criaturas lendárias, como é o caso das aventuras narradas em Odisseia, de Homero, ou do temível Kraken, da mitologia nórdica. O mar era sinônimo de perigo, e a praia era como o parapeito de um prédio alto – quanto mais longe de lá, melhor.
Mas as ameaças não estavam só no imaginário popular. A praia de fato já foi muito mais perigosa do que é hoje. Ela era a porta de entrada para doenças estrangeiras, que pegavam carona com navegantes e marinheiros. As rotas de comércio marítimo, por exemplo, foram responsáveis por espalhar a peste negra pela Europa.
Já na América, as praias foram conquistadas pelos colonizadores no século 16 e viraram ponto de comércio. Mais pra frente, nos séculos 17 e 18, foram os piratas que atingiram o auge com saques e roubos a navios.
As praias só começaram a ganhar a cara que têm hoje lá pra segunda metade do século 18. Os médicos europeus começaram a recomendar banhos no mar como parte do tratamento para a melancolia, tuberculose e outras doenças, por conta das propriedades “revigorantes” da água salgada. Dá pra dizer que essa foi a sementinha da cultura de wellness atual.
Foi assim que o litoral passou a ser visto de forma positiva pela elite, principalmente na Inglaterra. A arte e literatura também começaram a criar uma ideia romantizada da praia, o que contribuiu para que as pessoas quisessem sair das cidades para passar as férias no litoral.
No Brasil, o cenário é diferente. Os povos nativos já tomavam banho de mar bem antes dos europeus chegarem. Você já deve ter ouvido falar que os portugueses não costumavam tomar banho todos os dias – e foram justamente os indígenas que ensinaram a usar lagos, rios e o próprio mar para ficarem limpinhos.
As primeiras “casas de praia” brasileiras foram construídas na baixada santista pelos barões do café, entre o final do século 19 e início do século 20. Mas o hábito de sair das cidades para passar o feriado na praia começou só nos anos 1940, quando as primeiras estradas estavam sendo construídas. A partir daí, essa cultura só aumentou – e é por isso que você mal pode esperar pelo carnaval para se mandar para a praia mais próxima.
Fonte: Professores Rita de Cássia Ariza da Cruz, Luiz Gonzaga Trigo e livro O território do vazio: a praia e o imaginário ocidental
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