sexta-feira, 14 de fevereiro de 2020

Este objeto pode responder um mistério sobre a formação dos planetas

Como a Terra e todos os planetas do Sistema Solar se formaram? O processo se dá através do acúmulo gradual de matéria no espaço: partículas de poeira e gás começam se encontrar e se juntar em pedaços cada vez maiores, atraídas pela gravidade mútua.

Pulando alguns milhões de anos, essa acumulação resulta em três coisas.

Primeiro, uma estrela no centro, feita da coisa mais abundante que existe: o hidrogênio. 90% da matéria do Universo está na forma de hidrogênio. Como há muito hidrogênio, ele se junta mais rápido que o resto, e em concentrações monstruosas que chamamos de estrelas.   

A outra coisa que surge são os planetas. Há os gasosos, que são “mini-estrelas”, feitos basicamente de hidrogênio (caso de Júpiter, Saturno, Urano e Netuno). E há os rochosos, como o nosso, feitos com o que sobrou da nuvem original de gás e poeira – basicamente poeira, já que o gás foi praticamente todo para a construção da estrela e dos gigantes gasosos.

E a terceira coisa são corpos feitos de gelo – que só se formam bem longe do calor da estrela. É o caso de Plutão, que é basicamente uma bola de nitrogênio congelado, e de outros tantos objetos dos confins do Sistema Solar, que foram o gelado Cinturão de Kuiper.

Os planetas e os corpos do Cinturão de Kuiper não nascem prontos. A poeira e os grãos de gelo primeiro se juntam na forma de pedras. Essas pedras se juntam e formam pedregulhos, os pedregulhos se batem, se juntam, e formam estruturas com alguns quilômetros de diâmetro: são os planetesimais que, como o nome sugere, são como pequenos protoplanetas. Eventualmente, planetesimais também se juntam e resultam em objetos ainda maiores. Repita o processo sucessivamente, e, em algum momento, temos um planeta.

Parece simples, certo? Mas o que divide astrônomos é a forma como todo o processo ocorre. A teoria que dominava no século 20 (e que ainda tem força) é a de que esse acúmulo ocorre através de colisões violentas e caóticas entre os planetesimais, resultando assim em corpos maiores. Uma outra ideia, postulada só no século 21 e que vem ganhando adeptos gradualmente, entende que a acumulação foi bem mais pacífica: a matéria se juntaria lenta e gradualmente, sem muita violência.

Agora, uma equipe de astrônomos afirma ter encontrado uma evidência contra a teoria dos impactos violentos. Os resultados vêm da análise de dados de um objeto conhecido como Arrokoth, localizado a quase 6,5 bilhões de quilômetros do Sol – no Cinturão de Kuiper.

O Arrokoth é um pequeno planetesimal que sobrou da formação do Sistema Solar. Ele é formado por uma esfera de 21 km de diâmetro e por outra de 15 km, “grudados” um no outro. Em 1 de janeiro de 2019, o Arrokoth se tornou o objeto mais distante a ser estudado de perto por humanos quando a sonda New Horizons, da Nasa, passou a apenas 3.500 km dele e tirou fotos em alta resolução que permitiram interessantes análises que só foram publicadas recentemente.

Além de estudarem características do objeto como temperatura, gravidade e composição, a equipe do novo estudo fez algumas descobertas interessantes. Primeiro, eles descobriram que o objeto provavelmente se formou nos estágios iniciais do surgimento do Sistema Solar (bem antes dos planetas como o conhecemos hoje, o que o torna um fóssil cósmico, como disse William McKinnon, da Nasa, em comunicado.).

Segundo, e mais importante: o fato de ele ser feito de duas esferas delicadamente unidas, sem indício de impacto violento, o tornam um ótimo objeto de estudo para entendermos os primeiros momentos de formação dos planetas do nosso sistema. 

Até a cor do objeto contribui para essa teoria: ela é bem homogênea, sugerindo que foi formada por planetesimais de um mesmo local. O alinhamento entre os polos e o equador do objeto também indicam uma formação mais suave e ordenada.

“O Arrokoth tem características físicas de um corpo que se formou lentamente”, explicou em comunicado Will Grundy, líder da equipe da missão New Horizons e principal autor de um artigo publicado na revista Science. “Um objeto como Arrokoth não teria essa aparência em um ambiente de acumulação mais caótico.”

Obviamente, os resultados dizem respeito a apenas um pequeno objeto do Sistema Solar, e alguns astrônomos pediram cautela antes de generalizá-los para todos os planetas. Mas a equipe afirma que as descobertas enfraquecem bastante a ideia de que impactos violentos entre corpos dão origem a planetas (nota: isso não significa que os impactos violentos não tenham existido – as crateras estão aí para prová-los –, apenas que eles podem não ter sido o fator primordial na formação de planetas).

A teoria de acumulação suave foi criada pelo astrônomo sueco Anders Johansen há apenas 15 anos, a partir de análises computacionais quando ele ainda era estudante de doutorado. Em entrevista à BBC, ele disse que ficou muito feliz que suas ideias agora têm respaldo em observações. E que comemorou comendo pizza e tomando coca-cola com a família.


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