sexta-feira, 21 de fevereiro de 2020

Atenção, foliões: kit ressaca não funciona (e até prejudica a sua saúde)

Apesar do clima do Carnaval, O biomédico Jonathan Vicente, de São Paulo, ficou assustado com a repercussão de uma postagem que fez em seu Twitter:

Em pouco menos de 24 horas, o texto tinha recebido mais de 35 mil curtidas, 6 mil compartilhamentos e mil comentários. “Percebi que amigos e conhecidos tinham o costume de tomar alguns medicamentos antes de beber álcool. Outros possuíam dúvidas em relação ao tema. Para piorar, algumas marcas aproveitam esse momento de Carnaval para incentivar o consumo de seus produtos”, conta Vicente.

O lembrete do biomédico faz todo sentido: por causa de muitas propagandas, lendas urbanas ou recomendações ultrapassadas, as pessoas acabam fazendo combinações pra lá de perigosas. A meta, na maioria dos casos, é evitar ou minimizar o efeito da ressaca no dia seguinte. Afinal, ninguém quer acordar depois da festa com dor de cabeça, tontura, náuseas e vômitos. Só que isso pode colocar a saúde em risco, como esclareceremos mais pra frente.

Se você está com pressa e precisa correr para desfilar na avenida, pular no bloquinho ou ir atrás do trio elétrico, aqui vai um resumo de recomendações para não dar mancada com a sua saúde durante o Carnaval:

  1. Nunca tome remédios antes ou durante a bebedeira.
  2. Forre o estômago: coma algo saudável e equilibrado minutos antes de cair na festa.
  3. Capriche na hidratação: tome goles d’água entre um drinque e outro.
  4. Evite os excessos: exagerar nas doses pode ser prejudicial para sua saúde e para o seu próprio divertimento.
  5. Respeite seus limites: se estiver com vontade de vomitar ou muita sonolência, já passou da hora de largar o copo ou a latinha.
  6. Álcool e direção não combinam. Se for beber, deixe o carro em casa.
  7. Se a ressaca aparece no dia seguinte, você pode utilizar alguns medicamentos para aliviar a dor e as náuseas. Repouso também é sempre bem-vindo.
  8. Caso os sintomas estejam mais severos, procure um pronto-socorro com rapidez. 

Se você tem um tempinho a mais, vem com a gente que explicaremos com mais detalhes esse assunto nos próximos parágrafos.

A viagem da bebida alcoólica pelo tubo digestivo

Para entender essa história direitinho, precisamos dar um passos atrás e explicar o efeito de cerveja, uísque e afins no corpo. O álcool passa pelo sistema digestivo e é absorvido no estômago e no intestino. A partir daí, cai na corrente sanguínea e começa aos poucos a produzir as sensações mais conhecidas, como o relaxamento, a desinibição, a leveza e a confusão mental.

Quem fica responsável por metabolizar esse álcool ingerido é o fígado. Esse órgão trabalha duro para quebrar as moléculas etílicas e eliminá-las rapidamente por meio da urina, do suor e do hálito — é daí, aliás, que vem o famoso bafo de bêbado! 

“O álcool tem um efeito diurético que promove as idas ao banheiro para urinar. Ele ainda estimula a liberação das reservas de glicogênio do fígado. Quando há exagero, esses dois fenômenos levam à desidratação e quadros de hipoglicemia”, descreve o médico Raymundo Paraná, professor titular de hepatologia da Faculdade de Medicina da Universidade Federal da Bahia e presidente da Associação Latino-Americana para o Estudo do Fígado. 

Se você exagera na dose, o corpo vai dar dois sinais de que é preciso pegar leve ou pisar no freio: vômito e sonolência. São evidências claras de que a festança passou dos limites toleráveis pelo organismo.

Como se sabe, a ressaca dá as caras no despertar do dia seguinte, como resultado de toda essa bagunça. A desidratação e a falta de glicose dão dor de cabeça, enjoo, sonolência e todos os outros sintomas tão comuns numa Quarta-Feira de Cinzas. 

Nada de misturar álcool com remédio

Depois da pequena aula de biologia, voltemos ao nosso assunto principal: por que não se deve tomar remédios como o Engov antes de partir para a bebedeira? Esse comprimido, vendido livremente nas farmácias, é composto de quatro ingredientes: ácido acetilsalicílico (anti-inflamatório), mepiramina (anti-alérgico), hidróxido de alumínio (antiácido) e cafeína (estimulante do sistema nervoso).

Se você ingere esse composto antes da folia, ele vai ser extremamente eficaz em impedir aqueles dois sinais clássicos de pane no sistema: vômito e sonolência. O que parece positivo num primeiro olhar pode trazer sérias consequências à saúde. Ora, sem essas pistas de que algo não vai bem, o sujeito continua a beber como se não houvesse amanhã. Isso, por sua vez, eleva o risco de um coma alcoólico, além de outras repercussões de longo prazo na saúde.

A própria bula do Engov, produzido pelo laboratório Hypera Pharma, contraindica o uso em conjunto com as bebidas alcoólicas. A empresa também informa que o fármaco não está oficialmente indicado para ressacas, apesar do senso comum apontar o contrário. Sua principal função, segundo a fabricante, é aliviar dores de cabeça ou alergias.

A utilização dessa medicação misturada com o álcool traz outra ameaça: o sangramentos no estômago. “Juntos, as bebidas e o ácido acetilsalicílico irritam a mucosa gástrica, o que pode levar a quadros de gastrite em pessoas suscetíveis”, alerta Paraná. Por essas e outras, melhor nem misturar as duas coisas.

O kit ressaca e suas ameaças

É muito comum ver em casamentos ou até mesmo nos bailes carnavalescos o “kit ressaca”, que inclui, além do Engov, drogas para proteger o fígado, antiácidos, anti-inflamatórios e analgésicos. Mais uma vez, os especialistas pedem cautela com esses pacotes. Não se sabe ao certo como os fármacos interagem entre si e os efeitos indesejáveis deles na saúde do consumidor.

O Epocler, por exemplo, também  é comercializado sem receita médica e traz três aminoácidos (citrato de colina, betaína e racemetionina) que agem sobre o fígado e impediriam o acúmulo de gordura nesse órgão. Fabricado pela mesma Hypera Pharma, ele não está indicado para a ressaca.

A coisa é ainda mais séria quando o sujeito toma remédios de uso contínuo. “Antibióticos, anti-inflamatórios e outros fármacos não combinam com álcool ou com o kit ressaca. Isso pode diminuir o efeito terapêutico do tratamento ou trazer danos ao fígado e ao sistema digestivo”, chama a atenção o farmacêutico bioquímico Marcos Machado, presidente do Conselho Regional de Farmácia de São Paulo

Os kits ressaca chegaram a ser proibidos pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária: o caso se passou em 2009, quando a empresa Cifarma vendia um combo de remédios que silenciam dores, queimação no estômago e danos ao fígado. “A venda desses produtos combinados em farmácia não é aconselhada e nem permitida. Os profissionais que fazem isso cometem graves falhas éticas e podem ser punidos pelo conselho”, avisa Machado. 

O limite é o bom senso

Claro que recorrer a esses medicamentos com consciência não traz problemas: afinal, eles ajudam a silenciar incômodos menos preocupantes no dia seguinte. Além disso, evitam viagens desnecessárias ao pronto-socorro.

O problema está no exagero ou no uso contínuo. Isso pode mascarar doenças sérias, que exigem uma avaliação mais aprofundada de um especialista — como diz o famoso anúncio de fim de propaganda, ao persistirem os sintomas, o médico deverá ser procurado.

No meio de tanto disse-me-disse, existe algo que funciona pra valer para acabar com a ressaca? Lamentamos desapontá-lo, bravo leitor: o único remédio 100% eficaz para não ficar molenga no dia seguinte é… não beber.

Mas se você deseja curtir as festas com uns bons drinques, existem alguns macetes básicos que ajudam a aliviar um pouco o quadro. O primeiro é ficar com o estômago cheio. Se alimentar bem impede que o álcool caia muito rápido na corrente sanguínea, o que alivia o trabalho do fígado. “Não existe nenhum alimento ou remédio milagroso, muito menos receitas caseiras, como engolir uma colher de azeite”, complementa Paraná.

Outra dica preciosíssima é cuidar da hidratação. Esteja sempre com uma garrafinha d’água a tiracolo e dê uns goles vez ou outra. Sucos naturais também são uma boa pedida, pois trazem doses de glicose. Essa prática evita a perda de muito líquido por meio da urina e minimiza aquelas sensações desagradáveis do dia seguinte.

Se mesmo com esses cuidados prévios a ressaca der as caras, faça o que puder para amenizar os incômodos: repouso, copos d’água e um remédio para dor de cabeça ou enjoo costumam dar conta do recado. Sim, é possível curtir a folia sem precisar passar o dia seguinte na fila do pronto-socorro! 

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