segunda-feira, 12 de agosto de 2019

Entenda de uma vez: o que é a Teoria dos Jogos?

Imagine que você e um conhecido são acusados de cometer um crime juntos. Cada um é colocado numa cela individual e interrogado. As opções oferecidas pela polícia são simples. Se você delatar o seu suposto comparsa, fica livre na hora, enquanto o sujeito vai amargar anos no xilindró.

Por outro lado, se nenhum dos dois abrir o bico, vão ter de aguentar mais alguns dias de prisão preventiva, mas depois ambos saem livres. Porém, se ele resolver te entregar enquanto você permanece quietinho, quem pega a pena pesada é, claro, você mesmo, enquanto o delator escapa. Finalmente, se os dois decidirem passar a perna um no outro ao mesmo tempo, vão passar um tempo um pouco menor na cadeia do que passariam no cenário da trairagem individual.

Existe uma solução matematicamente indiscutível para o dilema do que fazer na situação acima. E ela não é nada simpática: sempre seja traíra. Sempre. Como você e o suposto comparsa não têm razão nenhuma para serem legais um com o outro, nem têm como negociar uma colaboração por estarem separados, você sempre vai ganhar mais – ou, no mínimo, perder menos – passando a perna no outro. O risco de ser legal e acabar virando o trouxa da história é alto demais.

O cenário que acabamos de ver é conhecido, por razões óbvias, como o Dilema do Prisioneiro, e é um dos exemplos clássicos dos resultados trazidos pela Teoria dos Jogos, a área de pesquisa que tenta modelar o comportamento*  de indivíduos ou grupos que se defrontam para disputar certas coisas. É o ramo de estudos que acabou rendendo a John Forbes Nash Junior, o matemático com esquizofrenia interpretado pelo bonitão Russell Crowe no filme Uma Mente Brilhante, o Prêmio Nobel em Economia de 1994, assim como a outros dez especialistas em Teoria dos Jogos ao longo dos anos. (Dica: quer ganhar Nobel de Economia? Estude Teoria dos Jogos.) Aliás, a solução “dedure sempre” é classificada como um tipo de “equilíbrio de Nash*”, conceito que o matemático desenvolveu na Universidade de Princeton em 1950.

Não é preciso quebrar muito a cabeça para perceber como cenários similares ao Dilema do Prisioneiro aparecem o tempo todo nos negócios, na diplomacia – ou mesmo no reino animal. Com efeito, outra aplicação importantíssima da Teoria dos Jogos está na biologia evolutiva: os pesquisadores a utilizam para entender por que certos comportamentos aparecem em grupos de seres vivos.

E é aqui que a coisa começa a ficar interessante. Uma das premissas da formulação clássica do Dilema do Prisioneiro é que só haverá uma única interação entre os participantes. Nesse caso, beleza, o “esperto” é ser traíra. Mas e se a gente esticar o número de interações até ele se tornar indefinido, como acontece com animais sociais que estão mais ou menos condenados a conviver entre si por toda a vida?

Aí a coisa muda brutalmente de figura, como mostraram competições entre programas de computador criados exclusivamente para “jogar” o Dilema do Prisioneiro ao longo de incontáveis rodadas. Em contextos de interação continuada entre os personagens, ganha mais quem adota variações de uma estratégia conhecida como “olho por olho”. Resumindo, o sujeito começa a brincadeira “cooperando”, ou seja, sem passar a perna no companheiro. Depois disso, ele aguarda como o outro vai se comportar – e copia a ação desse jogador na rodada seguinte. Se o parceiro também cooperar, tudo ótimo, ambos saem ganhando. Se resolver trairar, ao menos quem foi bonzinho da primeira vez não fica engolindo sapo.

Acredita-se que essa matemática simples tenha estimulado o surgimento da cooperação dentro de grupos de animais – basicamente porque pequenos grupos de cooperadores tendem a se dar melhor do que os formados apenas por traíras egoístas. A Teoria dos Jogos mostra, portanto, que nossas noções de certo e errado também têm uma boa dose de cálculo inconsciente por trás delas.

*Modelar o comportamento: significa criar ferramentas que permitam analisar as ações de indivíduos num dado contexto com rigor matemático.

*Equilíbrio de Nash: situação em que, num jogo com dois ou mais jogadores, nenhum deles tem a ganhar mudando sua estratégia unilateralmente.


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