quarta-feira, 21 de agosto de 2019

Entenda de uma vez: o que é epigenética?

Uma dica para quem quer entender com mais facilidade o vocabulário da ciência moderna: aprenda as preposições do grego antigo. É sério. Essas palavrinhas da língua de Homero ajudam demais da conta na hora de acompanhar o que os cientistas estão querendo dizer. Considere a preposição helênica epi, por exemplo. Ela corresponde mais ou menos ao nosso “sobre” (no sentido de “em cima”, “por cima”). O que significa, claro, que “epigenética” é aquilo que está “por cima da genética” – literalmente uma camada adicional de complexidade biológica que influencia nosso velho conhecido, o DNA.

Já vimos como a sequência de “letras” químicas A, T, C e G contém a receita para a produção das moléculas – principalmente proteínas – que fazem as células funcionarem. Acontece que existe uma enorme quantidade de especializações possíveis em células de criaturas complicadas como nós. O mesmo DNA é usado para dar origem a células musculares, aos fios de cabelo nas cabeças de todos nós, aos neurônios que regem os processos computacionais do cérebro, e assim por diante. Portanto, é preciso um sistema que controle a ativação e o desligamento de genes.

É aí que entra a epigenética. Em geral, os genes – por vezes, vários ao mesmo tempo – estão acoplados a regiões reguladoras. São pedaços de DNA que não contêm receita para a produção de nada, mas é neles que determinadas moléculas se conectam e iniciam a ativação daqueles genes, como um dedo no interruptor.

Mas como o maquinário da célula sabe onde diabos é para colocar o dedinho? Com a ajuda de marcações moleculares epigenéticas. As mais conhecidas são grupos chamados de metil ou metila (a fórmula química é CH3, ou seja, um átomo de carbono e três átomos de hidrogênio ligados a ele).

Num processo descrito como metilação, vários CH3 são colados nas letras de DNA, como se fossem etiquetas com os dizeres “favor não usar”. Nesse caso, as moléculas que deveriam ativar (ou seja, ler) aquele gene vão chegar até ali e dar meia-volta. Já se a metila for retirada, a barra fica limpa e o gene pode passar pela transcrição para gerar uma proteína.

Estamos descobrindo que o contrário também pode acontecer – por vezes, certos tipos de metilação podem incentivar a transcrição de um gene, em vez de impedi-la. De qualquer modo, a ideia central permanece: é possível regular a maneira como o DNA é usado pela célula sem alterar a sequência presente no genoma.

Por um lado, esses processos são muito dinâmicos. Afinal, são eles que permitem a produção de diferentes tipos de célula. Os processos epigenéticos também são bem permeáveis a influências externas: fatores de estresse, calor, frio, fome etc. Digamos que seu organismo precise se adaptar a certa variação de temperatura. Seria conveniente reorganizar as células, ativar certos genes, e lá se vão os marcadores epigenéticos fazer esse servicinho.

Por outro lado, coisas bem mais duradouras podem ser afetadas pela epigenética. Recorde que praticamente todo o seu DNA existe em versão dupla: são duas cópias completas, uma vinda do seu pai, e outra, da sua mãe. Às vezes, para não haver conflito de versões, é preciso usar a nossa metilação para inativar a cópia materna (ou a paterna, dependendo do contexto). Se isso não funciona, podemos ter problemas de desenvolvimento fetal ou outros rolos.

Finalmente, existe a possibilidade de que marcações epigenéticas sejam passadas de geração em geração – há evidências experimentais comprovadas disso em seres humanos e animais. É como se, de fato, a alimentação do seu pai ou da sua mãe hoje afetasse o metabolismo dos seus netos. Um estudo emblemático demonstrou como esse processo afetou netos de holandeses que passaram fome durante a Segunda Guerra Mundial, levando-os à obesidade. Também há estudos que mostram que pessoas que passaram por um trauma podem ter descendentes naturalmente estressados por causa disso. Ou seja, a herança que trazemos dos nossos ancestrais vai além do DNA que recebemos deles.


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