quarta-feira, 18 de dezembro de 2019

Quando “Star Wars” bebeu na fonte de “…E o Vento Levou”

Com a estreia de Star Wars: Episódio IX – A Ascensão Skywalker, finalmente terá fim a série criada por George Lucas, estendida ao longo de nove filmes que formam o “cânone” da saga, alguns spin offs, animações, uma nova série em streaming, parques temáticos recém-inaugurados pela Disney e uma inifinidade de quadrinhos, livros, jogos e produtos licenciados.

Entre tanto conteúdo, é praticamente unânime a eleição de O Império Contra-Ataca (o segundo filme da série, lançado em 1980, hoje rebatizado após rigoroso exercício de biblioteconomia como Star Wars: Episódio V – O Império Contra-Ataca) como o melhor filme de todos e o centro de gravidade de Star Wars. O filme evita o infantilismo excessivo de outros episódios (como O Retorno de Jedi e A Ameaça Fantasma), tem a dose certa de ação e traz os elementos centrais da mitologia da série (pense na luta entre Luke Skywalker e Darth Vader, na qual Luke descobre ser filho do vilão, além de perder a mão e a ver substituída por uma prótese robótica, inaugurando o medo de seguir os passos sinistros do pai).

Boa parte do mérito vai para o roteirista Lawrence Kasdam, um estudioso do cinema que em breve escreveria e dirigiria filmes mais adultos, como Corpos Ardentes, O Turista Acidental e Grand Canyon, lhe rendendo quatro indicações ao Oscar, além de ter assinado vários outros roteiros de grande sucesso, incluindo Os Caçadores da Arca Perdida, O Guarda-Costas e, olha só por que gostamos tanto desse, Star Wars: Episódio VII – O Despertar da Força.

Com tal talento, é natural que Kasdan tenha sido recrutado por George Lucas para reforçar a carga dramática, amarrar as pontas e garantir a vocação de Star Wars para ser a grande mitologia do cinema contemporâneo (até então, tudo que havia era o sucesso acachapante do primeiro filme, uma matinê despretensiosa).

Todo esse contexto para dizer que, outro dia, assisti ao clássico …E o Vento Levou inteirinho, em todas suas quatro horas de glorioso cinema da era de ouro de Hollywood, pela primeira vez na vida. E o que descobri?

Descobri que grande parte do plot amoroso de O Império Contra-Ataca bebe na fonte do filme de 1939. Em outras palavras, o casal Han Solo e Princesa Leia, de Star Wars, é amplamente baseado no casal Rhett Butler e Scarlett O’Hara, de … E o Vento Levou. Vejamos:

– Leia, assim como Scarlett, é uma mocinha pós-púbere de gênio forte que se torna uma mulher obstinada e independente, especialmente ao ser forçada a assumir as rédeas de tudo após seus pais morrerem. Ambas se tornam líderes por vocação e esteio emocional de todos que convivem com elas.

– Tanto no caso de Scarlett quanto no de Leia, tudo isso acontece sob o contexto de uma guerra (a Guerra da Secessão, nos EUA, e o confronto entre o Império e a Aliança Rebelde, em Star Wars).

– Ambas se sentem primeiro enojadas, depois atraídas e finalmente apaixonadas por um cínico que tira proveito da guerra como contrabandista. Um sujeito que nunca entrega o jogo, bom de papo e que vive com um sorrisinho de canto de boca pronto a arrematar com pouco caso seus diálogos. É assim com Rhett Butler (“O que vou fazer sem você?” pergunta Scarlett; “Francamente, minha querida, não estou nem aí”, responde ele), é assim com Han Solo (“Eu te amo!”, confessa Leia; “Eu sei”, desvia ele).

– Rhett Butler e Han Solo acabam deixando o cinismo de lado, primeiro por amor às mocinhas, e finalmente pela causa. Tanto um quanto o outro acabam aderindo à causa (os Confederados, no caso de Butler, os Rebeldes, no caso de Solo) e se juntam à guerra. Ambos se tornam capitães – “Capitão Butler” e “Capitão Solo”, estes são os tratamentos formais dados pelos companheiros aos dois heróis.

– O jogo de cortejo dos dois casais é igualzinho no seu bate e assopra, repele e atrai. Grande parte do charme de ambos os filmes (e os melhores diálogos) reside nessa dinâmica clássica dos filmes “boy meets girl” (em … E o Vento Levou: “você precisa ser beijada, e por alguém sabe”; em Império: “você precisa de um bom beijo” – OK, aqui ela fala que preferiria beijar um wookie, mas guardemos para nós mesmos nossas fantasias de como seria … E o Vento Levou com a participação do Chewbacca).

– Há a sugestão de um triângulo amoroso colocando em risco os relacionamentos (Ashley, no filme de 1939, e Luke, no filme de 1980 – que até aquele momento ainda não suspeitava ser irmão de Leia, o que deixaria tudo muito diferente).

Interessante, não?

Agora, se nada disso ainda o convenceu da inspiração de Leia e Solo em Scartlett e Buttler, que tal a similaridade entre os pôsteres oficiais de … E O Vento Levou e O Império Contra-Ataca?

<span class="hidden">–</span>Reprodução/Reprodução

Tudo indica que George Lucas e Lawrence Kasdan sabiam muito bem o que estavam fazendo.


Quando “Star Wars” bebeu na fonte de “…E o Vento Levou” Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed

Nenhum comentário:

Postar um comentário