À primeira vista, é natural achar que a clonagem é uma espécie de magia negra biotecnológica, mas o princípio por trás do processo é uma consequência direta, e bastante natural, do fato de que animais como nós são seres multicelulares, formados por zilhões de células.
Acontece que aprendemos nas aulas de ciência, na escola, que toda essa cambada de estruturas celulares deriva de uma única célula, a que se formou quando o espermatozoide do papai enfiou a cabeça no óvulo da mamãe, unindo o DNA de cada um dos genitores num novo conjunto único.
O material genético contido naquela única célula carrega informações suficientes para orientar a construção do organismo inteiro. Cada nova célula gerada a partir da inicial contém o mesmíssimo DNA. E eis aqui o pulo-do-gato: portanto, seria possível reconstruir o mesmo organismo a partir de cada uma dessas células – qualquer uma delas serve. Afinal de contas, a “receita” continua sendo a mesma.
É o que acontece naturalmente quando gêmeos univitelinos (os chamados “idênticos”) nascem. Ou seja, um clone seu não passaria de um irmão gêmeo univitelino que nasceu quando você já era adulto. Fácil. Mas só de falar. Na prática, há um problema: as células de um organismo já desenvolvido não “gostam” de assumir função de óvulo recém-fecundado.
Conforme a célula original vai se dividindo, começam a aparecer nas células-filhas uma série de sutis marcações bioquímicas que funcionam como aqueles psicólogos que trabalham com orientação vocacional, definindo coisas como “Minha filha, sua função é produzir umas células musculares, porque esse neném vai precisar de muque” ou “Tá faltando um sistema nervoso aqui, vai lá gerar neurônio, criatura”, e assim por diante. O destino das células, conforme o tempo passa, vai ficando cada vez mais definido e restrito, como alguém que se forma em medicina e muito dificilmente conseguirá virar arquiteto depois dos 50 anos de idade.
Por tudo isso, os cientistas que desejam produzir cópias genéticas de um animal adulto precisam achar mecanismos para contornar a aversão das células normais a mudar de carreira. Daí a importância das badaladas células-tronco: elas ainda não decidiram o que serão quando crescerem e aceitam sugestões. As mais versáteis delas, as embrionárias, podem até levar a um “clone” inteiro naturalmente, como os gêmeos univitelinos.
Para fazer isso com células adultas, contudo, é preciso antes enganá-las. O truque é colocar seu núcleo, contendo o material genético, em contato com um óvulo cujo próprio núcleo foi extirpado. A composição especial do óvulo ajuda no processo.
Foi basicamente isso o que fizeram os cientistas do Instituto Roslin, na Escócia, há mais de 20 anos, usando núcleos celulares e óvulos de ovelhas. Após juntarem as duas coisas e aplicarem um pequeno choque elétrico a elas, ao menos algumas células começaram a se desenvolver como se fossem óvulos fecundados naturalmente. Assim nasceu Dolly, que veio ao mundo em 5 de julho de 1996 e se celebrizou como o primeiro clone de mamífero adulto (fazer clonagem com embriões, como dissemos antes, é moleza).
Depois disso, diversas outras espécies – ratos, vacas, gatos, cães, cabras, lobos e, mais recentemente, macacos-resos – também foram usadas para gerar clones, sempre com uma ineficiência brutal durante os experimentos (muita coisa pode dar errado, da transferência do núcleo ao desenvolvimento gestacional). No caso de seres humanos, ninguém passou até agora da produção de embriões com poucos dias de vida por meio do método, para a extração de células-tronco embrionárias.
E daí? Serve para alguma coisa esse negócio? Bem, pecuaristas sonham em gerar múltiplas cópias de animais muito produtivos desse jeito, mas o custo ainda é proibitivo. A verdadeira utilidade da clonagem é compreender os processos básicos do desenvolvimento celular. Controlar isso poderia levar, algum dia, à produção de órgãos para transplante sem rejeição, com células-tronco. E sem fabricar um ser humano completo no processo, é claro.
Entenda de uma vez: clonagem Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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