quarta-feira, 27 de novembro de 2019

O que foi o AI-5?

Nas últimas semanas, o termo “AI-5” ganhou as manchetes de sites e jornais, após ser mencionado duas vezes por políticos e membros do governo. Primeiro foi o deputado Eduardo Bolsonaro, que afirmou, ao comentar protestos de rua que ocorrem no Chile, que se houver uma radicalização da esquerda no Brasil, “a gente vai precisar ter uma resposta, e ela pode ser via um novo AI-5”. O comentário gerou polêmica e ele pediu desculpas, afirmando ter sido “infeliz”. Na última segunda (25), foi a vez do ministro Paulo Guedes. Em uma entrevista concedida em Washington (EUA), ao ser questionado sobre os protestos em países da América Latina, comentou: “não se assustem então se alguém pedir o AI-5. Já não aconteceu uma vez? Ou foi diferente?”.

Todo brasileiro médio já ouviu falar do AI-5, e sabe que foi uma das medidas mais repressivas da Ditadura Militar. Mas o que, exatamente, esse decreto estabeleceu? E o que significaria implantar, hoje, um novo AI-5?

Para entender, precisamos voltar ao contexto histórico em que ele foi criado. Após o Golpe Militar de 1964, a junta governamental formada pelos militares começou a governar por decretos, os chamados Atos Institucionais (AI). O AI-1 foi assinado em 9 de abril de 1964, e suspendia por dez anos os direitos políticos de todos os cidadãos vistos como opositores ao novo regime, fossem eles civis, militares ou membros do antigo governo. Além disso, determinava que a eleição para o próximo presidente da república seria feita de forma indireta, pelos membros remanescentes do Congresso (que não tiveram o mandato cassado). Assim, em 15 de abril, o general Castelo Branco assumia a presidência do Brasil.

Antes de falar do AI-5, vale um lembrete do que determinou os outros Atos Institucionais, para o contexto ficar mais claro. O AI-2, de outubro de 1965, pôs fim a todos os partidos políticos e criou apenas duas opções: a Arena e o MDB (Movimento Democrático Brasileiro). Além disso, a eleição indireta para presidente e vice agora seria feita com voto aberto no Congresso. Ou seja: o deputado seria chamado lá na frente para dizer, no microfone, se votava ou não no candidato proposto pelo regime.

O AI-3, do começo de 1966, alterou um ponto do AI-1. Nas eleições para governador em 1965, a população elegeu mais candidatos opositores do que indicados pelos militares. Por causa disso, o governo acabou com a eleição direta: através do novo Ato Institucional, as eleições estaduais e municipais também passavam a ser indiretas, com voto aberto no Congresso. Finalmente, o AI-4, do fim de 1966, convocou o Congresso Nacional para a elaboração de uma nova Constituinte, a de 1967.

Com a nova Carta Constitucional, todos os outros AIs viraram leis. Mas, mesmo com a escalada de medidas autoritárias, uma parte da população não tinha medo de se opor ao regime.

Plenos poderes aos militares

As passeatas de rua contra o regime aumentaram nas principais cidades do país. Em São Paulo, elas chegaram a reunir milhares de pessoas. Em resposta, o governo invadiu sindicatos e começou a reprimir pesadamente protestos estudantis, com o uso de armas de fogo.

O estopim da repressão veio no final de março de 1968, com a invasão do Restaurante Central dos Estudantes, apelidado de “Calabouço”, na antiga sede da UNE. Os militares decidiram invadir o local porque os estudantes protestavam contra o preço das refeições. Lá, a PM matou o estudante Edson Luís, de 18 anos, com um tiro à queima roupa no peito. O caso horrorizou a população, e foi a causa da Passeata dos Cem Mil, no Rio de Janeiro, juntando civis, estudantes, artistas e intelectuais.

Mas o estopim para o AI-5 só veio pouco depois, com o discurso do deputado do MDB Moreira Alves. O curioso é que o deputado era contra o governo Jango, e inclusive apoiou o golpe de 31 de março de 1964. Mas, quando os militares começaram a tomar medidas mais rígidas, ele se portou como oposição.

Em 2 de setembro de 1968, em protesto contra a invasão da UnB pela PM, Moreira Alves fez um discurso no plenário chamando os quartéis de “covis de torturadores” e propondo um “boicote ao militarismo”, pedindo que a população não participasse dos festejos do 7 de Setembro. “Seria necessário que cada pai, cada mãe, se compenetrasse de que a presença dos seus filhos nesse desfile é o auxílio aos carrascos que os espancam e os metralham nas ruas. Portanto, que cada um boicote esse desfile”, disse ele.

Com um tom altamente irônico, o deputado chegou a “recomendar” que as mulheres não namorassem militares. “Esse boicote pode passar também, sempre falando de mulheres, às moças. Aquelas que dançam com cadetes e namoram jovens oficiais. […] Recusassem aceitar aqueles que silenciam e, portanto, se acumpliciam”, afirmou.

O discurso de Moreira Alves foi considerado pelos ministros do governo como ofensivo “aos brios e à dignidade das Forças Armadas”. O governo chegou a entrar com pedido de cassação do mandato do deputado no Supremo Tribunal Federal, mas o pedido foi recusado pelo plenário da Câmara, por diferença de 75 votos (216 votos contra e 141 a favor).

A resposta do regime veio logo: o Ato Institucional número 5, em 13 de dezembro de 1968, considerado um golpe dentro do golpe. Isso porque as determinações do AI-5 ficavam acima das leis estabelecidas pela Constituição de 1967.

<span class="hidden">–</span>Arquivo Nacional/Domínio Público

A partir dele, o general-presidente estava autorizado a fechar o Congresso Nacional, assumindo por completo as funções legislativas. Ele também podia cassar mandatos de parlamentares, demitir juízes e até mesmo decretar estado de sítio na hora que quisesse. Além disso, o AI-5 suspendeu o Habeas Corpus para crimes políticos. Foi por isso que tantos artistas e intelectuais precisaram se exilar nessa época.

Ou seja, se “um novo AI-5” fosse pedido no Brasil, o presidente Bolsonaro poderia fechar o Congresso e governar o país com plenos poderes, indo contra todas as regras da república.


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