Sexta-feira, 13 de agosto de 2010.
Nunca fui uma pessoa de superstições. Mas, por ironia do destino, a notícia que realmente me tirou o chão chegou justamente em uma sexta feira 13!
Era para ser apenas mais um ultrassom de rotina. No entanto, à medida que o exame se prolongava além do habitual, comecei a perceber a hesitação do médico. Quando ele pediu para que me sentasse e me ofereceu um chá, tive a certeza de que algo estava errado.
O meu menino, o irmão da minha menina que crescia ali ao lado dele em minha barriga, nasceria fissurado e eu não tinha ideia do que era uma fissura.
Fui criada por um pai médico e uma mãe dentista, cresci praticamente dentro de um dos melhores campus universitários do país, convivi com muitas pessoas da área da saúde. Nunca ninguém me falou sobre fissuras labiopalatinas — uma condição caracterizada por uma abertura no lábio superior, que pode se estender por todo o céu da boca. Nunca cruzei com um fissurado pelos caminhos que segui. Nunca ouvi a história de um filho, uma mãe, um pai ou um irmão de um fissurado.
Mas, na verdade, não foi o chão que se abriu debaixo dos meus pés. Foi uma porta que se escancarou diante dos meus olhos: um mundo de 6 500 crianças brasileiras nascidas a cada ano com os mais diversos tipos de fissura passou a existir para mim. Onde elas estavam antes? Como eu nunca as tinha visto?
A rede de mães As Fissuradas nasceu do amor de uma mãe. Fissurada pelo seu filho do jeito que é, Luiza Pannunzio criou um coletivo que une mães de crianças nascidas com fissura para que juntas se tornem mais fortes. Descobri a rede há alguns anos e desde então me conforto com os relatos de quem viveu e vive desafios parecidos aos do meu menino e de nossa família.
Desde 2015, As Fissuradas cresceu e se tornou mais que uma rede de apoio a mães. Atualmente, com 32 mil pessoas conectadas, a ONG tem em seu currículo o lançamento do Guia da Fissura Labiopalatina, a realização de um congresso que uniu profissionais de saúde e famílias e também a busca e a defesa dos direitos de todas as pessoas nascidas com fissuras e outras anomalias craniofaciais.
Estima-se que, a cada dez anos, tenhamos 40 mil pessoas sem a oportunidade de realizar a primeira cirurgia que faz parte do protocolo de tratamento das fissuras labiopalatinas. Além disso, um em cada dez fissurados nascidos em nosso país não atinge o primeiro ano de vida.
Contabilizamos hoje no Brasil 300 mil pessoas aguardando por uma cirurgia de correção de malformações congênitas craniofaciais que provavelmente não acontecerá. Estamos diante de uma luta urgente e necessária.
Os nossos meninos, Joaquim e Bento, têm a oportunidade de serem assistidos por tratamentos adequados, realizados de acordo com os protocolos estabelecidos pela Organização Mundial da Saúde. Mas muitas outras mães, tão fissuradas por seus filhos quanto nós, não têm hoje essa chance.
Me utilizando da expressão tão bem cunhada por Luiza, o “submundo da fissura” está repleto de pessoas escondidas, amedrontadas, receosas de que o mundo não as receba com o afeto e o respeito que merecem, aguardando o tratamento de que necessitam e a que têm direito. Que As Fissuradas possam seguir o seu caminho e trazer à luz todos os fissurados!
* Maria Vitoria Zambrone é especialista em comunicação corporativa, membro da rede As Fissuradas e mãe do Joaquim e da Maria Rosa, de 9 anos
As fissuradas: mães unidas pela causa da fissura labiopalatina Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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