sexta-feira, 17 de janeiro de 2020

Entenda o “projeto” que Hitler e Goebbels tinham para a cultura

“O nazismo também era estética”, diz o sueco Peter Cohen, diretor do documentário Arquitetura da Destruição. “Pregava que uma nova Alemanha surgiria, mais forte e bonita, num sonho ao qual só os artistas podiam dar forma.”

Joseph Goebbels, ministro da Propaganda, escrevia romances e peças teatrais – e vários outros líderes nazistas tinham veleidades artísticas. Hitler pintava aquarelas. Com o amigo de infância August Kubizek, o führer escreveu uma ópera seguindo uma ideia do compositor Richard Wagner, expoente do romantismo alemão (e que tocava ao fundo do discurso do Secretário da Cultura, Roberto Alvim, em que ele cita Goebbels). A trama se passa na Roma medieval e o protagonista é um tal Rienzi, um plebeu que tenta restabelecer a Antiguidade Clássica.

Hitler parecia decidido a encarnar Rienzi na vida real. Seria ele o artista-príncipe que anunciaria a nova civilização clássica, inspirada na Grécia e em Roma. Tanto que o ditador era também diretor, cenógrafo e protagonista dos comícios nazistas. Ele mesmo desenhou as bandeiras, os estandartes, os uniformes e a temível insígnia da suástica.

Quando a guerra começou, ele mandou artistas ao front para pintar as glórias do exército e ordenou a confecção de esculturas gigantescas inspiradas no ideal grego de beleza. Uma dessas esculturas era dele próprio e seria colocada no centro de Berlim, planejada para ser a cidade mais grandiosa do mundo, capital da futura civilização. Hitler tinha uma ideia peculiar sobre arte. Assim como os arianos eram a raça pura, os clássicos eram a arte pura.

A arte moderna, de acordo com o nazismo, seria o equivalente cultural dos judeus: algo “degenerado”

E a arte moderna, de acordo com o nazismo, seria a equivalente cultura dos judeus: algo “degenerado”. As fileiras nazistas estavam cheias de artistas, mas a classe profissional mais numerosa no partido era a dos médicos. Tanto uns como outros tinham um sonho em comum: uma sociedade mais “harmônica” e, consequentemente, mais “saudável”.

Na vida real, Hitler só encenou o 1º ato de sua ópera. Projetou sua megalômana Berlim e desenhou os esboços de prédios monumentais para várias cidades alemãs. A morte de todos os judeus faria parte desse projeto estético de um mundo mais harmonioso.

Felizmente, não deu tempo de terminar nem as obras nem o extermínio. Em 1941 ele percebeu que não venceria. Quanto mais perto da derrota, mais intensificava o genocídio – convencido de que o esforço valeria a pena se pudesse deixar para a posteridade um mundo sem judeus.

Apesar da necessidade de logística na guerra, os trens davam prioridade ao transporte de prisioneiros para os campos. “Para Hitler a perda da guerra não significava o fim do nazismo, pois a queda do 3º Reich influenciaria as futuras gerações”, diz Cohen. “O país se reergueria das ruínas. Da derrota total, brotaria uma nova semente.”

Infelizmente, Hitler estava certo. Tal semente acaba de germinar de novo, encarnada no discurso abjeto da autoridade máxima da cultura brasileira.

 

 


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