Dona de uma carreira meteórica, a cantora Anitta anunciou, no início deste ano, que vinha se desafiando a mudar alguns hábitos. Sua principal meta era cortar do cardápio qualquer alimento com origem ou matéria-prima animal. A artista estava virando vegana. Veganismo é um estilo de vida em ascensão que vai muito além de não comer carne — envolve se abster de qualquer coisa que tenha um ingrediente animal, o que inclui produtos de beleza e limpeza.
Calcula-se que, junto a Anitta, entre 4 e 7 milhões de brasileiros sejam adeptos ou estejam em vias de engrossar o grupo. “O veganismo vem crescendo devido ao maior acesso à informação e a um desejo que todo mundo tem, o de se relacionar com os animais e o planeta de forma mais justa”, avalia Ricardo Laurino, presidente da Sociedade Vegetariana Brasileira.
Apesar de não se restringirem às refeições, as mudanças à mesa são as que chamam mais atenção — especialmente dos profissionais de saúde. Afinal, qual seria o impacto para o corpo ao eliminar de bife a gelatina? A julgar pelas pesquisas até o momento, os efeitos soam bastante positivos.
Um estudo da Universidade de Florença, na Itália, descobriu que, entre os veganos, o risco de ter câncer é 15% menor em comparação com quem consome carne e derivados. Já uma revisão publicada no periódico British Medical Journal concluiu que a dieta vegana facilita a perda de peso e, em diabéticos, ajuda a baixar os níveis de glicose, triglicérides e colesterol.
“Isso acontece porque boa parte da gordura saturada vem de alimentos de origem animal”, avalia a nutricionista Lara Natacci, da Sociedade Brasileira de Alimentação e Nutrição. E esse é o tipo de gordura cujo excesso está associado a encrencas que vão de câncer a infarto. “Em um padrão de dieta focado em produtos vegetais, aumentamos a ingestão das gorduras mono e poli-insaturadas, bem-vindas à saúde”, completa Lara.
Fora isso, começam a se multiplicar indícios de que priorizar itens do reino vegetal eleva a população de bactérias da flora intestinal mais associadas ao equilíbrio do organismo.
Mas cabe uma ponderação: ainda que ninguém (ou quase ninguém) vá virar vegano só pensando no próprio bem-estar, aderir a essa filosofia não é garantia de quilos a menos nem proteção total contra doenças. Até porque tem pegadinhas na hora de ajustar a alimentação.
Uma das principais, segundo Lara, é o indivíduo substituir os produtos de origem animal por muitas fontes de carboidrato, como pães e macarrão — um cenário nada auspicioso para o peso e a saúde em geral.
Para não ser vítima de trocas sabotadoras, contar com orientação nutricional deve ser o primeiro passo da mudança.
Armadilhas no mercado
Com a popularização do veganismo, tem marca por aí cobrando mais caro só por estampar “vegano” nas embalagens de produtos que naturalmente não teriam nada de origem animal. Há, por outro lado, itens que não deixam claro se contêm substâncias evitadas por veganos.
Para fugir disso, a dica da nutricionista Lara Natacci é entrar em contato com o serviço de atendimento ao consumidor (SAC) da empresa e também conversar com um profissional.
Já a nutricionista Karla Escoda, da Essencial Clínica Integrada, em Goiânia, ressalta a importância de priorizar alimentos naturais. “A base da nossa dieta deve ser formada por comida de verdade, e não por produtos industrializados. A regra é: descasque mais e desembale menos”, orienta.
Radical demais?
Há quem diga que excluir tantos alimentos (carnes, ovos, leite, queijos…) sempre vai resultar em deficiências nutricionais. No entanto, a própria Associação Dietética Americana, uma das instituições mais respeitadas da área, se posiciona como favorável ao estilo de vida animal free.
De acordo com Karla Escoda, tanto veganos quanto onívoros estão sujeitos a desfalques do gênero. “A carência de vitaminas, minerais e compostos bioativos é observada em toda a população. Ou seja, não é uma exclusividade de vegetarianos e veganos”, declara. Mas será que o corpo não vai sentir falta de nada?
Tem um ingrediente no qual veganos terão mesmo de prestar atenção: a proteína. “É que a de origem animal, como a da carne vermelha, oferece todos os aminoácidos necessários. Já os itens do reino vegetal precisam ser combinados para cumprir esse papel”, explica Lara. Por isso ela recomenda associar leguminosas (soja, feijão, lentilha, grão-de-bico…) a cereais (arroz, quinoa, trigo…) no prato.
Se der para incluir oleaginosas, caso de nozes, amêndoas e castanhas, melhor ainda. E, claro, as verduras e os legumes têm lugar cativo. A dica é escolher variedades de pelo menos três cores para ter acesso a diferentes compostos.
Se a dieta não for bem pensada — e isso também se aplica a onívoros e carnívoros de plantão —, o corpo pena. “A deficiência de ferro, cálcio, zinco e vitamina B12 gera perda de massa muscular, afeta o sistema nervoso e provoca anemia“, avisa Lara.
“Qualquer coisa diferente do habitual deve ser avaliada: sono irregular, alterações intestinais, cansaço extremo, queda de cabelo e dificuldades de concentração e memória”, aconselha Karla.
Existem situações em que, após a análise do especialista, cápsulas podem ser necessárias. Inclusive, tem um suplemento que costuma ser obrigatório para todos que tiram carne e companhia da rotina: a vitamina B12, que não é fornecida por vegetais.
Criança vegana?
De acordo com a médica Rafaela Ricco, do Departamento de Nutrologia da Sociedade Brasileira de Pediatria, pais veganos até podem criar os filhos nesse estilo de vida, desde que eles façam acompanhamento com pediatra e nutricionista e usem suplementos indicados em consultório.
Se os adultos passam por perrengues quando falta algo no cardápio, que dirá uma criança… “A alimentação equilibrada é primordial para que elas atinjam seu melhor potencial de desenvolvimento”, afirma Rafaela.
Se o pimpolho vegano não crescer como o esperado em estatura e peso, apresentar queda no rendimento escolar e enfrentar problemas cognitivos, pode ser sinal de algum nutriente em falta. Aí tem que investigar.
O planeta agradece
Agora, se você tem dúvidas se o estilo de vida vegano beneficia o meio ambiente, saiba que cientistas das universidades Tulane e de Michigan, nos Estados Unidos, também se fizeram essa pergunta. E a resposta deles é chocante: quando uma pessoa dá preferência a carnes e laticínios, contribui para uma produção cinco vezes maior de gases do efeito estufa do que quem prioriza vegetais.
Isso tem a ver com o processo de obtenção dos alimentos: no Brasil, a agropecuária responde por 71% das emissões desses gases na atmosfera. Além disso, observa Laurino, a criação de animais demanda um uso elevadíssimo de água.
“No dia a dia, nada beneficia mais o planeta do que tirar produtos de origem animal do prato”, defende o presidente da SVB. Vegano ou não, vale a reflexão.
Não é só comida
Seguir o veganismo envolve mudar hábitos que não se restringem ao prato e à cozinha
Cuidados pessoais: maquiagem, cremes e pasta de dente costumam levar ingredientes de origem animal em sua fórmula ou são testados em bichos. Mas têm surgido marcas exclusivamente veganas ou com opções para esse público em seu catálogo.
Entretenimento: veganos passam longe de zoológicos, circos com bichos, aquários e rodeios, porque os animais estão fora de seu habitat. “Eles ficam presos em jaulas e tanques e, normalmente, vivem depressivos ou estressados“, justifica Ricardo Laurino.
Vestuário: você não vai encontrar jaquetas de couro, blusas de lã e casacos de pele no armário de veganos. Ainda bem que as grandes marcas oferecem versões sintéticas há um tempo. Já existem até empresas que se posicionam oficialmente como veganas.
Da limpeza ao transporte: amaciantes, sacos plásticos e pneus de bicicleta e carro podem ter substâncias de origem animal. Mas há alternativas para a maior parte desses itens. “Tornar-se vegano não significa substituir tudo de uma vez. O aprendizado é diário”, acredita Laurino.
Veganismo é pop: conheça a tendência, seus benefícios e os cuidados Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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