Não parece, mas faz relativamente pouco tempo que a educação é considerada o fator mais crucial para o desenvolvimento de um país. Essa noção só se tornou universal para valer a partir de 1974. Esse foi o ano de publicação da “Equação de Mincer”1. É um tratado de economia que demonstra o seguinte: quanto mais anos de estudo uma população tem, maior é a renda nacional. Hoje isso parece óbvio. Há poucas décadas, não era.
O fato é que, desde então, as políticas públicas de educação se tornaram mais eficientes. No mundo todo, Brasil incluído. Tanto que o tempo médio de estudo da população ocupada2 subiu de 5,8 anos, em 1992, para 9,2 anos em 2018. Se aplicarmos a Equação de Mincer à realidade brasileira, veremos que a conclusão do ensino fundamental agrega 38% de renda ao trabalho. Terminar o ensino médio aumenta em 66%; o curso superior, em 243%. Educação é riqueza.
Mas nem sempre riqueza é educação – não para todos. Hoje, o Brasil investe tanto quanto os países desenvolvidos em ensino superior, mas três vezes menos em ensino básico.
Dessa forma, perpetuamos o maior problema estrutural da nossa educação: gasta-se mais com quem poderia custear os próprios estudos, como os egressos do ensino particular que entram para as universidades públicas, e relativamente pouco com quem jamais poderia pagar por estudo algum.
Mesmo dentro do que se gasta com ensino superior, o conceito de “investimento” é dúbio. Só as aposentadorias e pensões dos professores inativos consomem R$ 14,7 bilhões, um número 50 vezes maior que o investimento em alfabetização de adultos (o analfabetismo ainda atinge 11,3 milhões de brasileiros).
Não fica nisso. Engessadas pela burocracia federal, as universidades acabam se tornando vítimas de má gestão e de alocação ineficiente. O sustento das nossas universidades públicas depende da arrecadação de impostos. Aí é automático: caiu a arrecadação, caiu o dinheiro das universidades.
A recessão dos últimos anos expôs as fragilidades desse modelo. Sem ter como cortar salários, muito menos aposentadorias, a União agiu pesadamente sobre as chamadas verbas discricionárias (aquelas cujo pagamento não é obrigatório pela Constituição, como os salários dos professores e as aposentadorias). Desde 2015, elas caíram de R$ 9,7 bilhões para R$ 4,5 bilhões.
Universidades sustentáveis
O Brasil parece ter pulado uma etapa na hora de estruturar sua educação: saltou direto do passo número um, que é reconhecer a importância da educação no desenvolvimento econômico, para o passo três, que é o de alocar recursos. Ignoramos o segundo passo: planejar um sistema sustentável de educação pública. Veja o caso da Universidade de Brasília. Ela se viu obrigada a suspender contratos com prestadores de serviço de limpeza em 2018, por conta dos cortes nas verbas discricionárias.
A instituição, porém, conta com R$ 10 bilhões em patrimônio – na maior parte, terrenos herdados da época da construção de Brasília, e hoje bem avaliados no mercado. Mas tem um problema. Caso decida vender alguns desses terrenos e colocar a mão nos recursos, a Universidade pode ter recursos de seu orçamento bloqueados pela União, pois o MEC pode entender que ela já dispõe de dinheiro para executar seus gastos. Isso torna inviável a criação de uma poupança de emergência.
Para equilibrar questões como essa, universidades ao redor do mundo dispõem dos chamados fundos de doações, que guardam e gerenciam recursos amealhados das mais diversas maneiras, seja por repasses federais ou doações de ex-alunos. No Brasil, a criação de fundos desse tipo só foi regulamentada em 2018 (após a tragédia no Museu Nacional). Mesmo assim, as universidades temem que rendimentos gerados por esses fundos impliquem redução nos repasses federais lá na frente – e aí a própria existência do fundo deixa de fazer sentido para a instituição, já que o total de recursos ao qual ela teria acesso permaneceria inalterado.
Soma-se a isso a ausência de incentivos para eventuais doadores – deduções no imposto de renda, por exemplo, foram vetadas no texto que regula a criação dos fundos, e não existe uma cultura de reconhecimento ao mecenato nas nossas universidades (como o caso Tabata mostrou, infelizmente não falta no Brasil quem veja com maus olhos o mecenato educacional).
É óbvio que doações sozinhas não resolveriam o problema. Mas há outros exemplos de fora que podem, sim, tornar nosso ensino público mais forte.
Mensalidade? Sim e não
A ideia de cobrar mensalidade em universidade pública é um dogma no Brasil. Mesmo quando se fala em cobrar apenas dos alunos mais ricos, bate-se o pé. Por outro lado, é fato que o ensino superior tende a gerar um aumento considerável na renda individual, como vimos aqui. Faz sentido, então, que as universidades passem a ser financiadas também pelos que se beneficiam delas, e não só pela sociedade como um todo.
Mas como resolver essa questão sem excluir os mais pobres? A Austrália encontrou uma receita para sair dessa sinuca de bico.
Na Austrália, quem fez universidade pública deve pagar pelo curso, mas só se passar a ganhar bem depois de formado.
Por lá, as universidades públicas são gratuitas, sim. Mas só durante a graduação. Se o formando um dia atingir um determinado nível de renda, terá de arcar com o custo. Não diretamente, mas via uma alíquota extra de 4% no imposto de renda. A cobrança pode progredir até 8%, caso os ganhos da pessoa sigam subindo de patamar.
Dessa forma, captura-se uma parte do ganho individual proporcionado pela diploma de nível superior. E sem prejuízo aos mais pobres – o patamar que obriga o cidadão a pagar pela faculdade em que se formou equivale a uma renda mensal de R$ 7 mil (40% acima do salário mínimo australiano, que é de R$ 5 mil).
O Reino Unido adotou um sistema parecido. No Brasil, os parâmetros precisariam ser outros, claro – tungar 4% de IR de quem ganha R$ 1.400 (40% acima do nosso mínimo) não faz sentido, e não pagaria pela educação de alguém nem em mil anos. Mas claro: basta usar um pouco o cérebro para tentar adaptar a fórmula australiana à nossa realidade. Sem inteligência, afinal, não há educação.
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