A Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) iniciou no Brasil o estudo Brace Trial, que pretende avaliar a eficácia da vacina BCG, feita originalmente contra a tuberculose, para minimizar o impacto do novo coronavírus (Sars-CoV-2). A pesquisa está sendo realizada também na Austrália, no Reino Unido, na Espanha e na Holanda e deve contar com a participação de 10 mil voluntários no total.
De acordo com o infectologista Julio Croda, professor da Universidade Federal do Mato Grosso do Sul (UFMS) e um dos líderes da investigação, a BCG ajudaria a combater a Covid-19 porque é capaz de estimular o sistema imunológico de uma maneira mais geral. “É o que chamamos de resposta imune inata”, diz. Ou seja, células e outras moléculas que compõem a primeira linha de defesa do organismo contra diferentes infecções seriam despertadas pela vacina BCG — e, talvez, evitassem o coronavírus ou atenuassem seus sintomas.
Estudos anteriores sugerem essa ação mais generalizada contra vírus e bactérias em cenários anteriores ao da pandemia atual. Uma revisão publicada em 2016 no periódico British Medical Journal checou esse efeito em crianças menores de 5 anos. A partir de cinco pesquisas clínicas, notou-se uma tendência de redução de 30% no risco de morte por qualquer razão, o que não seria justificado só pela proteção contra a tuberculose. No entanto, esse resultado estava — por muito pouco — dentro da margem de erro.
Pesquisas observacionais que foram avaliadas nessa mesma revisão também associaram a vacina BCG a uma menor probabilidade de morte por qualquer causa nos pequenos com menos de 5 anos (na ordem de 53%). Mas esse tipo de levantamento é menos confiável do que as pesquisas clínicas.
Outra análise, dessa vez realizada no Hospital Islâmico Sitti Maryam, na Indonésia, indica que esse benefício não se restringiria à meninada. Os cientistas selecionaram 34 idosos de 60 a 75 anos: parte recebeu a vacina BCG, enquanto a outra tomou uma injeção placebo (com uma substância sem efeito nenhum). Ao final, eles constataram uma maior redução de infecções agudas do trato respiratório em geral no grupo que se imunizou contra a tuberculose.
É bom lembrar que esse imunizante não seria o único a causar um efeito protetor amplo, assim por dizer. As vacinas para o sarampo e a poliomielite também instigam esse tipo de imunidade. Mas ainda não há provas de que nenhuma delas seja capaz de conter o novo coronavírus. É justamente isso que a Fiocruz pretende investigar.
Em que pé está o estudo
Existem mais pesquisas sendo realizadas no mundo para checar se a vacina BCG funciona diante do Sars-CoV-2, inclusive no Brasil. Porém, o Brace Trial é a única em fase três — está mais avançada, portanto.
“Ela se diferencia pelo número maior de voluntários e por avaliar não apenas a eficácia, mas também se há redução nas taxas de internação e óbito”, aponta Croda.
No Brasil, serão recrutados 3 mil participantes acima de 18 anos, todos profissionais da saúde — incluindo os que fazem parte do grupo de risco. Os voluntários serão de Campo Grande, no Mato Grosso do Sul, e na cidade do Rio de Janeiro.
“A ideia é acompanhá-los por um ano. Toda semana, iremos questionar a respeito dos sintomas respiratórios e, a cada três meses, realizar o exame sorológico”, informa o professor.
Se der tudo certo, as agências regulatórias precisam apenas autorizar uma mudança na bula da injeção. Ao contrário das candidatas à vacina contra o coronavírus que estão sendo desenvolvidas, a opção contra a tuberculose já conta com um sistema de produção e distribuição robusto.
“Mesmo quando uma vacina específica para o coronavírus for aprovada, não teremos capacidade de fabricar a quantidade necessária para a população. Então, a BCG pode ser uma alternativa até conseguirmos aplicar o imunizante novo em todo mundo”, raciocina Croda.
Vacina BCG geraria proteção duradoura contra o coronavírus?
Um estudo americano divulgado meses atrás sugeriu que países com esse imunizante nos seus programas de vacinação seriam menos afetados pela pandemia. A teoria é a de que, mesmo anos depois da aplicação da dose, a população teria uma resposta imune mais adequada contra o Sars-CoV-2.
No entanto, o trabalho recebeu críticas, como mostramos aqui. A Associação Brasileira de Alergia e Imunologia (Asbai) até emitiu um comunicado exigindo muita cautela com a interpretação dos dados.
Um ponto levantado por Croda que vai contra a pesquisa americana é o de que a imunidade inata gerada pela vacina BCG contra outras infecções parece ser passageira. “Os estudos revelam que ela dura de um ano a um ano e meio”, estima.
Conclusão: mesmo que a injeção contra a tuberculose gere alguma proteção no curto prazo contra o Sars-CoV-2, nada indica que aplicações lá na infância sejam capazes de barrá-lo.
Vacina da tuberculose contra o coronavírus: o que sabemos até agora Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br
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