Em Histórias, como foi intitulada a coletânea das obras do historiador grego Heródoto, ele usa 23 linhas descrevendo um tipo estranho de navio à vela que encontrou no Egito. Era algo que jamais tinha avistado em suas andanças, ainda que os gregos fossem referência em assuntos náuticos – e mesmo ele próprio tendo perambulado bastante pelo mundo antigo.
Como se assistisse à cena a beira do Nilo, Heródoto nota que os trabalhadores egípcios encarregados da construção do veículo “cortam tábuas de dois côvados [medida equivalente a cerca de 100 centímetros] e as organizam como tijolos. Depois, inserem as tábuas em dois pedaços de madeira longos e resistentes, e colocam vigas sobre eles.”
“Eles remendam o interior com papiros. Há um leme passando por um buraco na quilha [peça de madeira que liga a popa à proa]. O mastro é de acácia, e as velas, de papiro.”
Alguns historiadores acreditavam que o relato acima, registrado entre 450 a.C e 430 a.C, definisse perfeitamente o veículo conhecido pelos egípcios como “baris”. O problema é que a existência do barco em questão nunca havia sido confirmada: nenhuma evidência arqueológica seguia os moldes descritos pelo velho Heródoto, o que fazia com que a história não tivesse muito crédito. Isso acaba de mudar.
O primeiro baris catalogado da história, batizado pelos pesquisadores pelo nome “barco 17”, foi encontrado durante escavações na cidade portuária de Thonis-Heracleion, no Egito. Localizada a 32 km de Alexandria, a cidade foi um ponto comercial importante no período faraônico.
Hoje, porém, se encontra submersa – e virou uma espécie de cemitério de barcos egípcios antigos. Desde que foi descoberta por arqueólogos, no ano 2000, rendeu mais de 70 navios naufragados, construídos entre os séculos 8 e 2 a.C.
Estima-se que o mais ilustre deles, o baris, tenha sido encontrado com 70% do casco da embarcação bem preservado. Ele tinha originalmente cerca de 28 metros de tamanho – bem maior do que o descrito em Histórias.
Além disso, contava com “espigas” (encaixes entre duas peças de maneira que funcionam como peças de LEGO) menores e nenhuma armação que servia de reforço para o casco – ao contrário do relato do historiador grego, que falava em espigas de madeira grandes e vários reforços na estrutura do barco. Tais imprecisões, porém, não indicam que Heródoto fez uma descrição imprecisa. Pelo contrário.
“Heródoto descreve os barcos como tendo grandes ‘costelas’ internas. Ninguém sabia de fato o que aquilo significava. Essa estrutura nunca havia sido vista em algum achado arqueológico antes. Então descobrimos essa forma de construção no tal barco, e era exatamente como Heródoto disse que era”, disse Damian Robinson, em entrevista ao jornal The Guardian.
Segundo Robinson, é provável que o barco tenha sido construído no século 6 a.C e “reusado como uma espécie de balsa, após ser aposentado como barco”, transportando bens entre diferentes armazéns espalhados ao longo do Rio Nilo.
Alexander Belov, autor do livro Barco 17: um baris de Thonis-Heracleion, que foi publicado neste mês, sugere que a embarcação em questão poderia inclusive ter sido feita no estaleiro que o grego visitou – de tão parecida com a descrição feita por Heródoto.
Resumo da ópera? Não fique chateado quando alguém duvidar de uma história sua, leitor. Mais dia menos dia, ela pode se provar verdadeira e entrar para os anais da história. Se isso acontecer em menos de 2,5 mil anos, um tanto melhor, é claro.
Barco descrito por Heródoto há 2,5 mil anos é encontrado afundado no Nilo Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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