m matéria de mitologia medieval, rei mesmo era Arthur. Os outros eram só cartas do baralho.
Ele foi celebrado em verso e prosa por toda a Idade Média e além, em países muito distantes de sua Inglaterra natal. Seus mitos sobreviveram o bastante para tornarem-se filmes, livros e até videogames. Centenas de anos após sua morte, monarcas britânicos entrelaçavam suas histórias à origem e às conquistas de Arthur. Todos queriam se ligar ao maior rei de todos.
Se Arthur entrou para os mitos como figura fundadora da Inglaterra, ironicamente, ele nunca lutou ao lado dos ingleses. Arthur é uma lenda de origem celta, criada no País de Gales, a região onde se refugiaram os habitantes originais da Grã-Bretanha após as invasões dos anglo-saxões, vindos da atual Alemanha — aqueles fundariam a Inglaterra.
Na batalha do monte Badon, por volta do ano 500, Arthur teria derrubado mais de 900 saxões, atrasando a invasão — e a fundação da Inglaterra — em décadas. Filho bastardo do rei Uther Pendragon, Arthur contou a vida toda com seu tutor e conselheiro, o mago Merlin.
É em Merlin que a lenda assume seus tons mais sobrenaturais (e típicas da cultura celta). Concebido em uma estranha relação entre a princesa de Dyfed e um anjo (ou demônio, dependendo do autor), o mago é central nas decisões do rei e nos acontecimentos do reino de Camelot. Merlin era apaixonado por Viviana (ou Nimue), a Dama do Lago. Ela afirmou que só se entregaria a Merlin se ele lhe ensinasse todo o seu poder, e assim foi feito.
O mago apresentou o jovem Arthur à espada mágica, Excalibur — que queria dizer “corta aço”. Merlin levou Arthur ao lago, onde a mão de Nimue emergiu da profundidade com a arma. De lâmina inquebrável, havia sido forjada por um ferreiro elfo da ilha lendária de Avalon. Mas o poder mesmo estava na bainha, que daria ao rei o corpo fechado em batalhas. Com a espada em mãos, Arthur acaba se revelando ao pai, Uther, herdando o trono aos 15 anos.
EM BUSCA DO GRAAL
A Batalha de Badon é só uma no começo da carreira do rei que, de seu castelo em Camelot, expandiria imensamente os domínios de seu pai, juntando em torno de si um número cada vez maior de seguidores. Merlin cria então a Távola Redonda. O formato da mesa foi uma estratégia para evitar disputas de poder, já que, em uma mesa redonda, todos, geometricamente, estão em pé de igualdade.
Mais de cem guerreiros sentaram-se em volta da mesa lendária. Mas isso não conteve a ambição de um deles. Anos e batalhas mais tarde, Arthur teve de se ausentar do país, em uma guerra contra “Roma” – um nome geral para um inimigo meio genérico. Um dos cavaleiros, Sir Mordred, então usurpou o trono. Ele era filho de Morgana, a meia-irmã manipuladora de Arthur. Segundo alguns autores, o pai de Mordred seria o próprio Arthur, enganado por ela a ter uma união incestuosa.
Acontece então a Batalha de Camlann, a última do grande rei. Mas a situação estava contra ele. Merlin não pôde ajudar seu mestre, pois havia sido aprisionado pela Dama do Lago, com medo de que ele a escravizasse com sua obsessão. Morgana havia roubado Excalibur, que foi recuperada, mas sem a bainha mágica. Sem a proteção, Arthur e seu sobrinho/filho travam combate, e atingem um ao outro.
Mordred tomba ali mesmo. Arthur é ferido mortalmente. Então ordena que o cavaleiro Bedivere devolvesse Excalibur ao lago, que é recebida pela mesma mão que a entregou.
O convalescente Arthur tem então uma visão, de que apenas o Graal, cálice com o qual José de Arimatéia recolheu o sangue de Jesus, poderia curá-lo e salvar seu reino.
A busca pela taça milagrosa ocupou anos, tempo em que os guerreiros vasculharam a Grã-Bretanha de Norte a Sul e viveram diversas aventuras. Mas as procuras foram em vão. Arthur é levado por Merlin para encontrar seu final, na ilha de Avalon.
CAVALEIROS DA TÁVOLA REDONDA
DA HISTÓRIA PARA O MITO
A história que você acabou de ler é basicamente a versão contada por Geoffrey Monmouth e Chrètien de Troyes, autores do século 12. Eles foram os primeiros a descrever uma mitologia completa do rei Arthur.
Escritores mais tardios acrescentaram detalhes diferentes, como o poeta do século 13, Robert de Boron, para quem Excalibur é tirada de uma pedra, não dada pela Dama do Lago, cumprindo uma profecia que torna Arthur o rei. O caso de Lancelot com a rainha Guinevere também é uma criação posterior.
A batalha do monte Badon, aquela onde Arthur teria matado 900 saxões, foi mencionada pela primeira vez por São Gildas, ainda no século 6, algumas décadas depois de ocorrer. Nesse relato, não existe Arthur nenhum.
A primeira vez que o nome surgiu foi em Historia Brittonum (História Britânica), livro escrito em 828 pelo monge Nennius. Mas esse Arthur era apenas um guerreiro. Foi apenas em 1136, com Geoffrey de Monmouth, em Historia Regum Britanniae (A História dos Reis Bretões), que Arthur tornou-se rei — e também surgiram o mago Merlin e outros personagens centrais.
Caso tenha existido um rei Arthur, não sobrou nenhum vestígio de seu reino. Há apenas especulações e literatura.
“O trabalho de Geoffrey criou uma história de vida completa para Arthur, mas não há provas de que ele tenha, de fato, existido”, conta John Withrington, professor na Universidade de Exeter, na Inglaterra. Monmouth, como seus antecessores, era um religioso católico do País de Gales e, assim como eles, acreditava estar fazendo um relato histórico, não literatura ou mitologia.
Foi preciso que a história atravessasse o canal da Mancha para erguer Arthur a um mito mundial. Foi nos textos de Chrètien de Troyes (1135-1191) que a história do rei tornou-se literatura épica, e passou por um processo moralizante, convivendo com a ideia do pecado e de uma conduta casta, correspondentes aos valores de cavalaria da época. O curioso é que no século 6, quando o eventual Arthur histórico teria vivido, nem havia cavaleiros ainda.
Caso tenha existido um rei Arthur, não sobrou nenhum vestígio de seu reino. Há apenas especulações e uma riquíssima literatura — que, provavelmente, é muito mais interessante que a realidade.
MITOS CELTAS
As origens pouco cristãs da lenda.
A lenda do rei Arthur surgiu no País de Gales, a região que continuou a ser dominada pelos celtas, em contraste com a Inglaterra, tomada pelos anglo-saxões no século 6. Vários elementos da lenda denotam essa origem. A começar por Merlin, que em tudo se parece com um druida dos tempos antigos: um sábio em contato com a natureza, responsável por aconselhar reis e ajudá-los com poderes mágicos.
Depois, Excalibur: os celtas famosamente faziam espadas que estavam entre as melhores da Europa, que foram copiadas pelos romanos. Elas tinham valor sagrado, e dar a essas armas um velório em um lago, como acontece na lenda, era uma velha tradição quando seu dono morria.
O próprio Graal, uma mania aparentemente tão cristã que se espalhou por toda a Europa, tem o mesmo formato e poderes curativos dos caldeirões da mitologia celta, na qual eram relacionados à deusa da inspiração. A irmã de Arthur, Morgana, é derivada da deusa céltica Modron, que aparece em versões antigas da lenda.
Rei Arthur: a Lenda das lendas Publicado primeiro em https://super.abril.com.br/feed
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