segunda-feira, 13 de abril de 2020

Coronavírus: a importância de fazer testes em larga escala

Testar maciçamente a população. Esta é a recomendação da Organização Mundial da Saúde (OMS) para enfrentar a disseminação do novo coronavírus (Sars-CoV-2), causador da Covid-19. Para a entidade, a realização em larga escala de exames, combinada com o isolamento social, é o caminho ideal para proteger a população da pandemia. No Brasil, diante do número limitado de testes disponíveis, a estratégia adotada pelo governo inicialmente foi outra. Os kits de diagnóstico foram destinados apenas a pessoas em estado grave para confirmação do contágio.

Com o alastramento da epidemia, o Ministério da Saúde anunciou a distribuição nas próximas semanas de cerca de 23 milhões de exames rápidos para detecção da doença em trabalhadores da área da saúde e segurança e outros 14,9 milhões de testes de biologia molecular para pacientes graves internados e casos leves nas unidades da Rede Sentinela de Síndrome Gripal, que monitora a doença no país. Levando em conta o tamanho da população brasileira, de 220 milhões de indivíduos, e o fato de que alguns precisarão ser testados mais de uma vez, esse número ainda é insuficiente para a realização de diagnósticos em larga escala.

“Junto com o isolamento social, massificar a testagem para diagnóstico da Covid-19 é a única maneira para ‘achatar’ a curva de disseminação do vírus no país. Somente dessa forma é possível identificar os infectados e isolá-los para evitar a transmissão. Esse é o método mais eficiente, e está sendo usado por países, como Coreia do Sul, que conseguiram achatar a curva”, afirma o virologista Edison Luiz Durigon, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP).

O teste molecular contra o coronavírus

O Instituto de Tecnologia em Imunobiológicos (Bio-Manguinhos), da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), e o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) são responsáveis pelo desenvolvimento e fornecimento dos kits para diagnóstico da Covid-19 utilizados em pacientes internados na rede hospitalar do Sistema Único de Saúde (SUS). Os exames são realizados pelos laboratórios Centrais de Saúde Pública (Lacen) e de referência nacional – Instituto Adolfo Lutz (IAL), em São Paulo, Fiocruz, no Rio de Janeiro, e Instituto Evandro Chagas (IEC), no Pará. Até o fim de março, segundo o Ministério da Saúde, mais de 54 mil testes haviam sido distribuídos.

Denominado RT-PCR em tempo real, o ensaio de Bio-Manguinhos e IBMP é realizado a partir de uma amostra de secreções da nasofaringe ou orofaringe – ou seja, material obtido da mucosa do fundo do nariz ou da garganta com uso de uma haste flexível (swab).

Trata-se de um teste de biologia molecular que já vem sendo usado em laboratórios desde 1983 para diagnosticar outros vírus e em diversas áreas de pesquisa. No caso atual, ele detecta um fragmento do genoma do novo coronavírus.

“É uma técnica de alta especificidade e sensibilidade, mas depende de aparelhos específicos que precisam ser constantemente aferidos e de habilidade técnica para sua execução. Requer, ainda, a aquisição de material de consumo importado, de alto custo, que demora para chegar”, explica o virologista Paulo Eduardo Brandão, da Faculdade de Medicina Veterinária e Zootecnia (FMVZ) da USP. “Superadas essas dificuldades, é um teste excepcionalmente bom.”

Considerado o teste padrão para a Covid-19 no país e no mundo, o ensaio molecular dificilmente apresenta falsos negativos. “Consideramos o nível de sensibilidade de nosso teste extremamente eficaz. Ele pode detectar a infecção em mínimas quantidades de material genético do vírus, mesmo quando a carga viral do paciente é baixa”, declara Antonio Gomes Ferreira, gerente do Programa de Desenvolvimento Tecnológico de Reativos de Bio-Manguinhos. Segundo ele, os ensaios moleculares com base na tecnologia RT-PCR conseguem diagnosticar a infecção viral desde o primeiro dia do surgimento dos sintomas. O exame é efetivo, ainda, em pessoas assintomáticas.

Normalmente, o resultado do RT-PCR fica pronto em menos de 24 horas após a coleta da amostra, mas, com a grande quantidade de testes realizados ao longo da pandemia no país, esse prazo tem se alongado. Em alguns casos, chega a sete ou 10 dias. Reportagem do portal G1 apontava que o país tinha, em 2 de abril, pelo menos 23 mil testes à espera de resultado.

A demora causa preocupação, pois, além de impedir um rápido diagnóstico da doença e a adoção do melhor tratamento para o paciente, torna mais lento o combate à disseminação do vírus. Além disso, esse atraso faz com que o número de casos e mortes confirmados e divulgados pelas autoridades em um determinado dia reflita a situação de vários dias antes – ou seja, pode dar uma falsa aparência de que o número de doentes e óbitos no momento é menor do que realmente é.

Para enfrentar esse problema e ampliar a testagem no país, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) concedeu nas últimas semanas registro para 17 novos testes no país, sendo 14 do tipo rápido, que apresentam resultado entre 10 e 30 minutos, e três de biologia molecular. Simples de serem realizados, os testes rápidos podem custar até um quarto do preço dos ensaios moleculares – o RT-PCR fornecido pela Fiocruz, por exemplo, sai por R$ 98.

“Os testes rápidos são tudo o que precisamos no momento. Eles ajudarão a controlar a pandemia, porque podem ser feitos por qualquer hospital ou clínica médica, não dependendo de aparelhos sofisticados, como os usados para o diagnóstico por RT-PCR”, declara Durigon, do ICB-USP. “É a única maneira de termos testagem em massa no Brasil. Eles podem chegar à porta dos hospitais menos privilegiados, que são maioria no país. Se a pandemia atingir as classes sociais menos favorecidas, somente os testes rápidos poderão diagnosticar a doença com agilidade. Caso contrário, estaremos em uma situação tão crítica quanto a da Itália.”

Opinião parecida tem o diretor do Instituto de Ciências Biológicas da Universidade de Brasília (IB-UnB), o parasitologista Jaime Martins de Santana. “Só vamos saber a extensão da infecção da população brasileira com a aplicação dos testes rápidos imunológicos para a detecção de anticorpos no sangue das pessoas. Por enquanto, com as condições atuais, só estamos vendo a ponta do iceberg”, destaca.

<span class="hidden">–</span>Foto: Pesquisa Fapesp/Divulgação

O exame sorológico

Os testes rápidos recém-aprovados pela Anvisa são destinados a hospitais, postos de saúde e laboratórios de análise clínica – num primeiro momento, não serão vendidos em farmácias. Eles se dividem em dois grupos: os sorológicos e os que detectam o antígeno – o vírus em si. A grande maioria – 12, precisamente – é do primeiro tipo. Realizados a partir de uma amostra de sangue, soro ou plasma, os exames sorológicos constatam a presença de dois anticorpos, as imunoglobulinas do tipo M (IgM) e G (IgG), produzidos pelo organismo do paciente para combater a infecção por Sars-CoV-2.

Como a produção de IgM se dá em geral alguns dias após o aparecimento dos sintomas, enquanto a de IgG ocorrerá ainda depois, o teste é ideal para diagnosticar quem já foi infectado, tendo ou não apresentado sintomas – também é útil, portanto, para detectar pacientes assintomáticos. Se aplicado nos primeiros dias da contaminação, quando o indivíduo ainda não está produzindo anticorpos, pode dar um falso negativo.

Por isso, não é indicado para a fase aguda da doença. Para sua realização, basta uma gota de sangue, colhida por meio de uma perfuração na ponta do dedo. Misturada a um reagente, ela é aplicada a uma tira, como num exame de glicemia. Se surgir um risco na fita, o resultado é positivo.

A empresa Eco Diagnóstica, com sede em Nova Lima (MG), é uma das que obtiveram registro de um teste sorológico para detecção do Sars-CoV-2. “Importamos a matéria-prima da Coreia do Sul e estamos fazendo a produção em nossa fábrica em Corinto, no interior mineiro. Já produzimos e colocamos no mercado o primeiro lote do teste de anticorpos. Outros serão liberados ainda em abril”, informa a biomédica Mirela Gasparini, assessora científica da Eco Diagnóstica. “É como um teste de gravidez; ele faz a leitura a partir de linhas que aparecem em uma fita.”

Em Curitiba (PR), a startup Hi Technologies também se prepara para disponibilizar um exame de detecção de anticorpos para o novo coronavírus. “O teste é feito pelo Hilab, laboratório portátil criado por nós em 2017. Dentro do dispositivo vai uma cápsula com o reagente de acordo com o ensaio realizado – nesse caso, com o teste da Covid-19”, explica Marcus Figueiredo, CEO da Hi Technologies.

Após a coleta de duas gotas de sangue do dedo, o dispositivo faz uma leitura digital da amostra e envia, via nuvem, para o laboratório da empresa, em Curitiba. Lá, é feita a análise, utilizando inteligência artificial, pelos profissionais da saúde que assinam e enviam o laudo para o celular do paciente em questão de minutos. A expectativa da empresa é disponibilizar o teste a partir de meados de abril a um preço em torno de R$ 130, valor superior ao da maioria dos testes rápidos.

Outro ensaio sorológico liberado pela Anvisa é o MedTeste Coronavírus IgG/IgM, vendido no Brasil pela distribuidora de produtos e equipamentos médico-hospitalares MedLevensohn, do Rio de Janeiro. O kit é fabricado pela farmacêutica chinesa Biotest e, segundo a MedLevensohn, já está sendo utilizado em 12 países, entre eles Alemanha, França, Itália e Reino Unido. Foi importado 1 milhão de testes, que também são realizados a partir da análise de uma gota de sangue.

Teste de antígeno

O segundo grupo de kits de diagnóstico rápido liberados pela Anvisa são os testes de antígeno. Eles são realizados a partir de secreções coletadas do nariz ou da garganta dos pacientes – a mesma amostra coletada na nasofaringe ou orofaringe usada nos ensaios moleculares. “A diferença é que, enquanto o RT-PCR demonstra a presença de RNA do Sars-CoV-2 na amostra, os ensaios que detectam antígenos virais revelam que proteínas próprias do vírus estão circulando no organismo”, explica o virologista Paulo Brandão, da USP.

Assim como os testes sorológicos, eles podem apresentar falsos negativos se forem realizados muito no início da doença, quando a carga viral ainda é baixa e o indivíduo não manifestou sintomas. “Esse teste é ideal para a fase aguda da doença. Para ele ser eficaz, o vírus precisa estar se replicando no organismo. Já o ensaio pela técnica RT-PCR pode detectar o vírus antes mesmo de ele começar a se multiplicar. Por isso, é considerado mais sensível”, afirma a biomédica Mirela Gasparini, da Eco Diagnóstica.

O período de incubação do Sars-CoV-2 varia de dois a 14 dias, sendo de 5 dias em média. A empresa mineira planeja comercializar os dois únicos testes de antígeno liberados até o momento pela Anvisa. A capacidade de produção da empresa, incluindo o ensaio sorológico, é de 40 mil testes por dia – a Eco Diagnóstica não divulgou o valor de cada um.

Para especialistas, desde que tenham padronização e validação demonstradas, os testes rápidos que começam a ser aplicados no país serão um importante recurso para combater a pandemia. Além disso, serão fundamentais para que se tenha um retrato mais real da contaminação da população e da mortalidade associada ao Sars-CoV-2. Quanto mais testes forem realizados e, consequentemente, mais casos forem notificados, maior será a base de infectados, o que reduz o índice de letalidade do vírus, hoje em torno de 5%. Num cenário de subnotificação como o que vem ocorrendo no Brasil, o vírus pode parecer ser bem mais letal do que de fato é.

Esforço da ciência

O empenho para ampliar a disponibilidade de testes no país é compartilhado por laboratórios universitários. Cientistas do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-graduação e Pesquisa de Engenharia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe-UFRJ) trabalham para criar um exame para detectar anticorpos em pessoas com suspeita de Covid-19. Eles planejam elaborar dois testes, um rápido e o outro um ensaio imunoenzimático (Elisa), similar aos exames de sangue que se faz para detectar a presença de anticorpos contra os vírus da hepatite e HIV.

“Usamos tecnologia do DNA recombinante para desenvolver uma proteína da espícula viral [as pontinhas ao redor do vírus], chamada proteína S [de spike, espinho, em inglês], para criar o teste. Já conseguimos produzi-la e purificá-la. Esperamos estar com os testes validados com amostras reais de pessoas infectadas dentro de cerca de 30 dias”, diz a engenheira química Leda Castilho, coordenadora do Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares da Coppe. Ela é uma das líderes do trabalho juntamente com Amilcar Tanuri e Orlando Ferreira, do Laboratório de Virologia Molecular do Instituto de Biologia da UFRJ.

Segundo Castilho, o resultado do teste rápido deverá sair em poucos minutos, enquanto o do Elisa ficará pronto em algumas horas. “O Elisa é largamente empregado em laboratórios de análises clínicas do Brasil e do mundo. A vantagem é que ele precisa de uma estrutura bem menos sofisticada do que a dos testes RT-PCR”, destaca a pesquisadora. Depois que a proteína da Coppe-UFRJ ficar pronta, a ideia é que empresas interessadas se encarreguem da produção dos kits. “Apostamos nos dois formatos porque queremos possibilitar a produção do maior número de testes no menor intervalo de tempo possível”, ressalta Castilho.

Em São Paulo, pesquisadores da USP e da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) também trabalham para desenvolver um teste rápido para a Covid-19, baseado no padrão de moléculas em fluidos corporais. A pesquisa é liderada por Rodrigo Ramos Catharino, do Laboratório Innovare de Biomarcadores da Unicamp. “Já enviamos o processo de aprovação à Conep [Comissão Nacional de Ética em Pesquisa, órgão que regulamenta estudos clínicos no Brasil] e estamos fazendo análises prévias e processando os dados. Tudo ao mesmo tempo, em virtude da situação”, declarou Catharino, à Agência Fapesp.

As amostras colhidas são analisadas em um espectrômetro de massas, aparelho que mostra os metabólitos existentes nos fluidos corporais. Em seguida, os resultados, tanto de pacientes infectados quanto de pessoas sãs, usadas como controle, são analisados por ferramentas de inteligência artificial, no Instituto de Computação da Unicamp. O objetivo é que o programa de computador consiga discernir os que estão saudáveis, sem o vírus, o de pessoas infectadas com sintomas leves e aquelas consideradas em estado grave.

A USP participa da pesquisa fazendo a captação de voluntários e a coleta das amostras. Em entrevista à Agência Fapesp, Rinaldo Focaccia Siciliano, professor da Faculdade de Medicina da USP e médico assistente da Divisão de Moléstias Infecciosas e Parasitárias do Hospital das Clínicas (HC), informou que os participantes serão selecionados entre pacientes internados no HC e no Hospital Municipal da Lapa, em São Paulo, com sintomas de síndrome gripal. A expectativa do grupo é que o teste esteja pronto em maio e custe cerca de R$ 40.

A Universidade de Brasília (UnB) também participa do combate ao novo coronavírus. Por um acordo firmado com a Secretaria de Saúde do Distrito Federal, a instituição colocou seus laboratórios à disposição para realização de exames diagnósticos da rede pública.

De acordo com o parasitologista Jaime Santana, da UnB, três máquinas para realização de ensaios PCR do Instituto de Ciências Biológicas já foram cedidas para o Laboratório Central de Saúde Pública do Distrito Federal e outras três estão à disposição. “Com o empréstimo dos equipamentos, a capacidade de realização de diagnósticos do Lacen-DF passou de 250 para 600 testes por dia. E pode aumentar ainda mais, para 1 mil exames diários”, informa Santana.

*Este texto foi originalmente publicado por Pesquisa FAPESP.


Coronavírus: a importância de fazer testes em larga escala Publicado primeiro em https://saude.abril.com.br

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